Em novembro, mais de 60% dos norte-americanos foram às urnas para definir o novo presidente da maior potência mundial. Foram mais de 156 milhões de eleitores, o maior volume desde o pleito de 1964. O enorme interesse da população em decidir o futuro político do país, porém, é proporcional ao desafio que o presidente eleito, Joe Biden, terá para governar uma nação polarizada e estremecida por manifestações raciais. O candidato democrata conquistou a preferência de pouco mais de 80 milhões de eleitores, enquanto o republicano Donald Trump somou em torno de 74 milhões votos.
Biden terá de lidar com o aumento do número de casos de covid-19 nas últimas semanas, apesar de a vacina estar cada vez mais próxima de se tornar realidade. Neste aspecto, o novo presidente já sinalizou uma mudança drástica na política sanitária, com a nomeação de uma equipe majoritariamente técnica formada por cientistas e médicos, além da tendência de voltar a integrar a Organização Mundial da Saúde (OMS), com a qual Trump havia rompido relações.
Gerar empregos também será tarefa prioritária do novo presidente. Segundo dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, o índice de desemprego chegou ao patamar de 14,7% da população em abril, o maior em mais de 70 anos, recuando para 6,9% em outubro. Apesar da forte queda, o desemprego ainda atinge 11,1 milhões de trabalhadores.
No âmbito internacional, os Estados Unidos deverão reconstruir suas alianças – fragilizadas pelos posicionamentos ideológicos do governo Trump. Vale lembrar que a postura do governo democrata de Barack Obama, entre 2009 e 2017, foi baseada em três pilares: a retomada das relações com Cuba; a defesa dos interesses norte-americanos na Ásia; e o não atrito na América do Sul, contexto em que a crise da Venezuela se acentuou.
Biden é um notório defensor do livre-comércio e do multilateralismo. Por esta razão, o país norte-americano deve retomar as negociações do Acordo de Associação Transpacífico (TPP) e retornar à Organização Mundial do Comércio (OMC), que teve o seu poder esvaziado pelo governo Trump. O fortalecimento da OMC é importante para países emergentes, como o Brasil, por ser o órgão de solução de controvérsias no comércio internacional, tratando questões como práticas protecionistas.
Os Estados Unidos têm o desafio de fazer frente à Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), firmada pela China com outros 14 países, tornando-se o maior acordo comercial do mundo. A retomada do TPP pode ser uma boa saída para este impasse e ainda favorecer o Brasil, pois nossos vizinhos Peru e Chile, que fazem parte do tratado, podem facilitar o acesso brasileiro ao Oceano Pacífico.
Efeito no Brasil
A eleição do democrata pode significar um novo momento nas relações com a América do Sul. Biden tende a pôr em prática uma política de não fricção com o continente.
Por outro lado, o Partido Democrata tem posicionamentos opostos à agenda republicana, principalmente na questão ambiental, em que Trump chegou a abandonar o Acordo de Paris sobre o clima, em novembro de 2020. Biden deve retomá-lo. Neste cenário, para ter uma boa relação com os norte-americanos, o governo Bolsonaro, que emula a postura de Trump sobre o meio ambiente, deve sinalizar preocupação com a preservação da Amazônia, por exemplo.
Resgate na diplomacia
O cenário das relações internacionais ainda é de imprevisibilidade, considerando que o Brasil se afastou de sua linha diplomática tradicional. Exemplo disso é o fato de o País ainda não ter parabenizado o presidente eleito pela vitória, mesmo depois do próprio Trump já admitir a derrota.
Brasil e Estados Unidos têm uma longa e sólida relação, que deve ser equilibrada. O País não deve adotar uma postura de submissão ou de alinhamento automático aos Estados Unidos, como observado no período recente.
Ainda assim, o Brasil obteve conquistas importantes na relação com aquele país, como o acordo de salvaguarda tecnológica, que vai permitir a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) para o envio de satélites; o apoio dos norte-americanos ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e também o posicionamento norte-americano elevando o Brasil como parceiro estratégico na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Em contrapartida, a política de Trump impôs uma série de medidas negativas ao País, mesmo com a boa relação entre os presidentes. Alguns episódios foram a suspensão da importação de 80% da produção brasileira de aço; a apresentação de um candidato norte-americano à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), não prestigiando Rodrigo Xavier, o candidato brasileiro; a pressão sobre a eliminação de tarifas do etanol; e o não atendimento ao pedido brasileiro para facilitar os vistos de entrada da população ao território norte-americano. Outro fato relevante foi o adiamento do leilão da tecnologia 5G para 2021, após declarações do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, que o País poderia sofrer “consequências econômicas negativas” se mantivesse a chinesa Huawei no certame.
O Brasil não será prioridade dos Estados Unidos na área de políticas internacionais, mas o governo Bolsonaro deve manter uma postura equilibrada e de diálogo para conquistar acordos importantes. Enquanto estivermos na posição de ataque, todo o resto (inclusive os investimentos) fica paralisado – e, nesta balança, somos mais fracos.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.