Na obra The Polarization of American Politics, publicado em 1984, Poole e Rosenthal indicavam que as eleições nos Estados Unidos se tornavam, cada vez mais, disputas entre duas coalizões opostas, ambas com posicionamentos extremados. Segundo os autores, a exacerbação do sistema bipartidário norte-americano levava os dois principais partidos do país a enfrentar divergências acentuadas em termos de identidade e de políticas públicas. O que gerava a eliminação progressista das posições centristas, tanto entre os políticos como entre os eleitores.
É no governo Obama que esta questão retorna. O que é estranho, já que o então presidente era visto como alguém do centro da arena política estadunidense. No entanto, o seu posicionamento muda com a criação do Tea Party, oposição republicana indisposta a negociar qualquer coisa com ele e que cobrava posições mais à direita de seus representantes. A partir daí, o debate da polarização ganha uma nova qualificação: a “assimetria”. Está explícito que não foi o aumento da distância entre campos políticos opostos, mas um dos lados se radicalizou de tal maneira que passou a negar a construção de qualquer compromisso com o outro campo.
Foi neste mesmo período que o tema da polarização estacionou no Brasil. E isso é importante. No País, esta divisão já nasce assimétrica, com grupos políticos e sociais negando a possibilidade de produção de consenso ou qualquer tipo de compromisso político. Já aparecem radicalizando o espectro do palco da esfera pública e condenando e atacando qualquer ponto que divergisse da sua visão. É bem verdade que esses grupos foram turbinados por uma operação midiática judicial, batizada de “Lava Jato”, que criminalizou, de maneira intensa, a política e o próprio regime democrático (mas isso fica para outra coluna).
Autores como Nunes[1] afirmam que, desde 2014, pelo menos, a polarização assimétrica no Brasil produz processos de cismogênese. A criação, especialmente cibernética, de divisões em que grupos agem como que em resposta às ações uns dos outros, com reações que gradualmente consolidam não apenas suas respectivas identidades, mas também sua oposição mútua e compreensão recíproca como únicas alternativas possíveis em um terreno bipartido.
Nunes ressalta que é o processo de cismogênese que permite que não enxerguemos duas operações “escondidas” que ocorrem sob o rótulo da polarização. A primeira é que se esconde a assimetria entre os lados, quando se usa a terminologia “polarização”, sem deixar claro que um dos lados se posiciona de forma extrema, com a finalidade de atrair o centro do debate na sua direção e jogar para o outro toda a responsabilidade de negociar compromissos. A extrema direita, por exemplo, faz exatamente isso, porque sua estratégia não inclui o governo para todos. Ela almeja somente consolidar uma base radicalizada suficientemente grande para manter sua força eleitoral e confia que, nos segundos turnos, os “centristas” sempre optarão por ela em detrimento da esquerda.
A segunda operação é que aqueles que acusam os dois lados dessa polarização assimétrica se valem de uma operação retórica fundada numa falsa simetria ou equivalência. Consideram como se os dois lados fossem igualmente extremos para se situarem em oposição a ambos, como única alternativa não radical. Tal ideia serve exatamente para alguns se posicionarem como supostos arautos do “consenso centrista”. Isso é reforçado pela própria mídia, quando vende a ideia de narrativas “dos dois lados”, esquecendo que um deles produz um mundo completamente falso e sem lastro fático.
Também é bom recordar que esse “consenso centrista” fecha acordos com o lado assimétrico da polarização quanto à austeridade fiscal e à desregulação financeira do mercado, mesmo que o preço pago seja a ascensão e consolidação do fascismo da extrema direita, geralmente tratado como falta de “bons modos à mesa”.
O problema não parece ser a existência em si de polarizações, mas o fato de que uma oposição falsa pode esconder um antagonismo verdadeiro entre os que se beneficiam com a crise política e os que arcam com ela.
[1] NUNES, Rodrigo. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição, pág. 106.
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