Em meio às eleições mais polarizadas e extremadas da nossa história recente, devemos pensar se o que chamamos de “democracia” precisa ser revisado, compreendido e repactuado. Em primeiro turno, no plano presidencial, tivemos a maior concentração de votos válidos nos dois líderes desde a redemocratização. Lula e Bolsonaro, somados, foram para o segundo turno com mais de 92% dos posicionamentos nominais do eleitorado, superando os 90% de 2006, quando a artificial verticalização imposta pela Justiça Eleitoral retirou daquele pleito nacional seis dos dez maiores partidos políticos do Brasil.
Mas como já nos disse Paulo Peres, em textos anteriores desta coluna, a polarização é algo comum nas nossas eleições presidenciais. O problema não é este, mas, sim, o quão extremos e estranhos ao olharem entre si são os lados da disputa. Bolsonaro e Lula estão num nível de conflito tão absurdo que, para além de se chamarem de corruptos e incluírem coisas do tipo “canibal”, “pedófilo”, “presidiário” e “alcoólatra” na história, parecem pouco afeitos à busca pelo que comumente chamamos de “eleitores de centro”. Concordo que Lula trouxe Alckmin para a chapa e busca atrair uma quantidade grande de gente de posições ideológicas distintas para lhe dar apoio, assim como noto que Bolsonaro pediu desculpas pelos palavrões que não tira da boca e parece se acalmar estrategicamente nos debates. No entanto, isso é pouco. Tomar o eleitor do outro parece mais importante, e isso ocorre numa intensidade grande, mais nítida do que a moderação dos discursos. E aqui está o principal desafio: a eleição foi para os extremos.
Prova disso são os números colhidos em pesquisas realizadas na última semana. Ao todo, foram 11 levantamentos que nos mostram alguns aspectos essenciais da corrida eleitoral. Bolsonaro tirou muita gente do armário no dia do primeiro turno, elevando sua votação para além do que previam os estudos. Em médias simples de pesquisas finalizadas entre 29 de setembro e 1º de outubro, o ex-presidente tinha 49% dos votos, e o atual, 37%; e fecharam a fatura do primeiro turno em 48,4% contra 43,2%. Explicações para isso não faltam, e realizar investigação contra instituto de pesquisa parece exagerado. Mas, paciência, esqueçamos isso neste instante.
Voltando ao argumento central, quero tratar de extremidades. Lula e Bolsonaro registraram, nas 11 pesquisas finalizadas entre 10 e 14 de outubro, respectivamente, 49% e 44% do total de votos. Isso nos mostra, a despeito de possíveis abstenções e intensidades do eleitorado, que restariam pouco votos abertos – e, obviamente, alguns cidadãos que podem migrar diante de algo que chame a atenção até o dia 30. Entretanto, que tenhamos em mente: mais de 90% dos entrevistados que cravam voto em Lula ou em Bolsonaro, de acordo com os institutos, dizem que a decisão é definitiva. Perfeitamente. E não é só a este ponto que quero chegar, destacando que as pesquisas mostram que o pleito está totalmente indefinido.
Meu argumento central é outro: e está concentrado nas taxas de rejeição a tais nomes. Enquanto as médias utilizadas acima mostram Lula com 49% dos votos e Bolsonaro com 44%, as rejeições estão em 44% que afirmam que não votariam em Lula de forma alguma, e 49% que não o fariam em favor de Bolsonaro. Perceba algo que não é óbvio aqui: a rejeição e a intenção de votos estão refletidas tais quais espelhos. Um é o inverso do outro, com Lula piorando médias que estavam na casa de 41% em 1º de outubro, e Bolsonaro melhorando o que estava em 52% no campo da rejeição. Ambos estão caminhando para um empate, nos dando a sensação de absoluto equilíbrio, quando, na verdade, também estão fazendo um movimento que nos remete a uma preocupante colisão. Em votos, dia 1º de outubro, a média de Lula era de 52% num eventual segundo turno, e a de Bolsonaro, de 40%. Reforço: eles estão caminhando para um mesmo lugar. E o que isso pode nos mostrar?
Primeiro, antes de responder, algo precisa ficar claro. A eleição mais equilibrada em segundo turno da história presidencial do Brasil ocorreu em 2014, entre a então presidente Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) – a vitória dela se deu por 3,5 milhões de votos. Em 25 de outubro, véspera do segundo turno naquele ano, o Datafolha mostrou a incumbente com 52% dos votos totais, e o desafiante com 48%, o que as urnas confirmaram. Em rejeição, ele tinha 42% e ela registrava 38%. Percebe? Existia uma parcela ampla de eleitores que provavelmente seria capaz de se posicionar favoravelmente a qualquer dos nomes, ou ao menos havia uma quantidade razoável de gente que não dizia ser impossível votar no oponente.
Este é o ponto: Lula e Bolsonaro, na intensidade atual, têm tudo para estarem disputando quem tem o direito de sentar sobre um barril de pólvora com um charuto aceso na boca. A chance de explodir, infelizmente, é real. Um terceiro turno, judicializado e/ou intensificado em gestos extremos pode ocorrer. Não quero ser aqui o visionário do caos, mas definitivamente estamos rumando para uma condição de divisão absoluta da percepção das pessoas em relação a uma eleição presidencial. Os discursos pregam algo como o fim do mundo para adoradores de plantão em caso de derrota. Estamos preparados para um resultado que certamente será capaz de frustrar metade do eleitorado, a despeito do quanto isso efetivamente representará em termos porcentuais no resultado final? Difícil dizer.
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