Quando tropas russas iniciaram oficialmente a invasão do território da Ucrânia, ainda podiam se ouvir ecos em Moscou de uma declaração de solidariedade do presidente Jair Bolsonaro a Vladimir Putin, durante visita oficial do brasileiro dias antes. Por mais que o Itamaraty tenha trabalhado para desfazer a má impressão deixada pelo presidente e tenha falado de uma postura mais equilibrada do Brasil, o episódio evidenciou a irresponsabilidade da política externa do atual governo, o isolamento e a irrelevância do País em questões importantes da política global.
A irresponsabilidade estava clara desde a decisão de Bolsonaro de viajar a Moscou em meio à tensão do país com a Ucrânia e aos avisos de uma possível invasão. O Ocidente alertou para os riscos dessa visita, os Estados Unidos tentaram demover o Brasil, e especialistas criticaram o aceno a um governo que era visto como possível agressor.
O auge da falta de noção sobre a seriedade das relações diplomáticas foi mesmo a declaração de solidariedade a Putin no momento em que ele se preparava para invadir uma nação soberana. Para os Estados Unidos, o Brasil parecia estar escolhendo “estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”.
E a irresponsabilidade se consolidou mais fortemente com a falta de reação do governo horas depois do início da incursão russa na Ucrânia. Enquanto os principais países do mundo se pronunciavam oficialmente, e até mesmo candidatos à presidência do Brasil, como Lula e Moro, já haviam criticado a ação russa, Bolsonaro continuava em silêncio.
Apesar das movimentações errôneas e problemáticas do governo brasileiro no exterior, o caso também revelou mais fortemente a irrelevância do Brasil na política internacional. Por mais que o presidente e seus apoiadores tenham insinuado uma falsa relação entre sua viagem a Moscou e uma suposta retirada de tropas da Ucrânia, os planos de guerra já estavam traçados. Bolsonaro não evitou a guerra, não influenciou Putin, não representou o Ocidente e não fez diferença ao visitar a Rússia.
Além da falta de voz na política internacional, a visita parece não ter servido nem mesmo para defender interesses comerciais do Brasil, pretexto usado para a viagem. Mesmo tendo se encontrado com Putin, o único acordo assinado durante a visita tratava de uma simples nomenclatura de documentos –que poderia ter sido definida por diplomatas, sem a presença dos líderes. Além disso, enquanto Bolsonaro estava em Moscou, a Rússia fechava um acordo militar bem mais relevante com a Venezuela, de Nicolás Maduro.
O retrato do lugar reduzido que o Brasil ocupa na política global se completa com as evidências de seu isolamento no caso do conflito na Ucrânia. A solidariedade do presidente a Putin não rendeu frutos ao País. A Rússia reiterou um apoio barato e vazio à candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas não se pode falar em aproximação real entre os países ou em fortalecimento de laços diplomáticos – especialmente por causa da guerra. Enquanto isso, EUA e o restante do Ocidente assumem uma postura dura contra a Rússia, e criticam as declarações do brasileiro, mostrando que não há muito espaço para uma parceria desse lado do confronto.
Ao Brasil de Bolsonaro, resta apenas uma aliança ideológica problemática com a Hungria de Viktor Orbán, a quem ele também visitou. Se não está completamente sozinho no mundo, o presidente inclui o País em uma liga de líderes populistas da direita nacionalista global. O foco parece estar menos em buscar alianças que beneficiem a nação e seu desenvolvimento, e mais em buscar apoios para a tentativa de consolidar aqui um governo iliberal, apoiado mesmo contra a democracia. Por este caminho, o maior país da América do Sul vai ficar ainda mais isolado das potências globais e se tornar cada dia mais irrelevante no mundo.
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