A Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo 150, item II, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios não podem instituir tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente, além de ser proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Por consequência, o inverso também é verdadeiro. Não se pode dar tratamento idêntico a contribuintes que se encontrem em situação diversa.
O princípio da isonomia tributária entre os setores, entretanto, parece não ser respeitado na atual proposta de Reforma Tributária (PEC 45/2019), em tramitação no Senado Federal, uma vez que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) terão alíquotas únicas para todos os bens e serviços, exceto para as atividades expressamente previstas no texto, de modo que o setor de serviços será excessivamente onerado.
Os novos tributos serão não cumulativos, ou seja, serão cobrados uma única vez na cadeia produtiva e descontados progressivamente, em forma de crédito, até o consumidor final. Acontece que as empresas do setor de serviços não passam por essas etapas, como ocorre nas atividades industriais e do comércio, e têm na folha de salário a principal despesa, a qual não confere qualquer compensação de crédito.
É uma falácia afirmar que a não cumulatividade traz simplificação. Atualmente, essa sistemática é aplicada no ICMS e em PIS/Cofins (lucro real) — e são justamente esses os tributos com mais litígios tributários, no âmbito do processo administrativo ou judicial.
Prova disso que a maioria das prestadoras de serviços de médio porte recolhe os tributos no regime cumulativo (ISS e PIS/Cofins), e as controvérsias são infinitamente menores que os tributos do regime não cumulativo, como indica o Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro divulgado em 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça.
A saída para assegurar o princípio da isonomia tributária seria incluir o setor de serviços na lista de alíquotas com redução de 60%, ou deixar o segmento de fora da Reforma Tributária, mantendo os municípios com o ISS na forma vigente, como propôs brilhantemente Kiyoshi Harada, membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.
Tamanho descompasso pode levar o setor de serviços a arcar com um aumento de carga tributária de mais de 200%. O impacto certamente resultará em demissões, fechamento de negócios e queda de desempenho econômico como um todo.
Hoje, as empresas de serviços enquadradas no regime de lucro presumido contam com alíquota de 8,65% (5% de ISS e 3,65% de PIS/Cofins). Esse cenário deve mudar radicalmente se a proposta da PEC 45 for aprovada nos moldes atuais, pois, diante de um IVA dual — que unifica PIS, Cofins, ICMS, e ISS —, a alíquota única deve ficar em torno de 28%, conforme projetaram o próprio Ministério da Fazenda e um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Se isso ocorrer, o Brasil passará a ostentar a maior alíquota do IVA do mundo, deixando para trás Hungria (27%), Dinamarca, Noruega, Suécia (todos com 25%), Finlândia, Grécia e Islândia (todos com 24%).
Apesar de garantir o tratamento diferenciado e favorecido a Micro e Pequenas Empresas (MPEs), o texto aprovado pela Câmara dos Deputados restringe a apropriação de crédito pelo adquirente de bens ou serviços de empresa do regime diferenciado ao montante equivalente ao cobrado por meio do regime único.
Na atualidade, as empresas do Simples Nacional transferem crédito integral de PIS e Cofins, portanto, a vedação contida na proposta é um retrocesso e compromete a competividade das MPEs. A micro e pequena empresa que não quiser perder competitividade deverá excluir do regime único os novos tributos, o que resultará em significativo aumento da carga tributária. Diante disso, a sugestão é assegurar a transferência de crédito presumido, como já previsto para o produtor rural, por exemplo.
Outro ponto que causa grande preocupação é o período de transição. O prazo de implantação de sete anos é demasiado longo, uma vez que, durante esse período, o contribuinte teria um aumento da complexidade no cumprimento das obrigações acessórias, pois precisaria atender às exigências tanto do sistema atual como do novo.
Por essa razão, sugere-se a redução do período de transição, assegurando o cumprimento dos incentivos fiscais fixados no sistema vigente, especialmente aqueles por prazo determinado; ao passo que para aqueles que tiverem prazo indeterminado, enquanto durar o período de transição, conforme o caso.
Essas mudanças fundamentais para garantir a isonomia entre setores, proteger os benefícios das pequenas empresas e reduzir a burocracia do período de transição estão presentes no ofício encaminhado aos senadores, assinado pelo presidente da FecomercioSP, Abram Szajman, ao lado dos presidentes dos conselhos Superior de Direito e de Assuntos Tributários da Entidade.
Todas as empresas da cadeia produtiva esperam que o Senado faça os ajustes necessários para que a Reforma Tributária resulte em simplificação e desburocratização do sistema tributário, sem elevação de tributos, mediante a promoção de segurança jurídica à sociedade.
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