No século antes de Cristo, o poeta romano Públio Ovídio Naso, na obra Heroides, escreveu “os fins justificam os meios”. Depois dele, Nicolau Maquiavel, em 1513, formulou em sua obra O Príncipe, “nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, nas quais não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso delas”.
Então, voltamos ao Brasil, às eleições presidenciais de 2022 e a uma figura que tem gerado controvérsia: André Janones.
De começo, já levanto aqui minha plaquinha com um “Eu avisei”. Sim, em artigo publicado aqui, na Problemas Brasileiros, no dia 6 de abril de 2022 [i], seis meses antes das eleições, chamei a atenção para a morosidade do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tomada de decisões acerca de denúncias de crimes eleitorais. Naquele momento, argumentei, “as eleições de 2022 prometem alto nível de fricção, e certamente diversas tentativas de manobras políticas serão feitas e com uma velocidade nunca vista (trazidas pela massificação das tecnologias digitais). Isso significa que as instituições de Justiça deverão estar atentas e fortes para agir com precisão. Senão, poderemos ter, novamente, um 2018 – o que o ministro do STF Alexandre de Moraes já disse que não permitirá”.
Bom, o que se viu foi uma enxurrada de desinformação sendo jogada na rede pela extrema direita, de “Lula satanista” a “Lula ligado ao PCC” se pôde ver nas mídias sociais [ii].
E o TSE? Em relação às respostas prometidas pelo órgão, foram notórios dois problemas. O primeiro teve a ver com o tempo para a avaliação das denúncias e a resolução dos casos. Um exemplo foi a investigação sobre um suposto esquema de desinformação nas redes socais com o envolvimento de Carlos Bolsonaro e outros. Para tanto, foi estabelecido um prazo de três dias para se manifestarem acerca do assunto [iii]. Três dias em uma campanha curta e pelas mídias sociais? Isso é uma eternidade. Em segundo lugar, o TSE tomou como padrão condenar a específica desinformação, e assim ordenava pela retirada da fake news do ar na plataforma em que havia sido veiculada, e não pela suspensão da conta do autor reincidente. Um caso que exemplifica a problemática de atuar somente sobre a desinformação – e não sobre o autor – ocorreu com o bolsonarista Nikolas Ferreira, vereador de Belo Horizonte e deputado federal eleito. O citado foi obrigado pelo TSE a retirar do YouTube um vídeo que continha informação falsa sobre o candidato Lula [iv]. A retirada foi feita, mas, depois disso, o mesmo político tuitou:
Enfim, quando as mídias sociais pareciam “terra arrasada” pelo domínio da extrema direita e diante da lentidão das instituições, quando não havia “tribunal a que recorrer”, surgiu André Janones [v], protagonizando a campanha digital da frente democrática e atuando, de forma totalmente diferente de tudo o que o campo democrático brasileiro já havia experimentado fazer na Internet.
André Janones (Avante), deputado federal por Minas Gerais, eleito pela primeira vez em 2018 e reeleito em 2022, já era muito popular nas mídias sociais e conhecido por suas lives explosivas no Facebook. Em agosto de 2022, renunciou à sua candidatura à Presidência da República para se somar à campanha de Lula e integrar a coordenação política e o marketing nas mídias sociais.
E aqui está o plot twist: o que seria mais uma campanha morna e derrotada do eixo democrático, nas redes, transformou-se. Janones construiu uma estrutura paralela de campanha nas mídias sociais, algo à parte do marketing oficial, para travar uma guerra digital com a extrema direita. Esta, que parece ter sido uma estratégia sem precedentes no que se trata de campanhas políticas anti-extrema direita no mundo, e que foi nomeada por usuários do Twitter como “janonismo cultural”, tratou de combater fake news não com informações de agências de checagem – até porque brasileiros, em sua maioria, não acreditam nas informações fornecidas por agências de checagem [vi] –, mas divulgando simultaneamente e coordenadamente informações explosivas em multiplataformas, em especial Facebook, Twitter, Telegram e WhatsApp, acerca do candidato do PL. E as contra-informações eram depois pulverizadas por milhares de usuários em suas respectivas contas. O objetivo era silenciar e parar a reverberação das fake news da extrema direita, fazendo com que as mídias sociais mudassem de assunto e focassem em outro tema, o qual atacasse Bolsonaro. Esta estratégia fez com que, pela primeira vez, nos quatro anos do governo de Bolsonaro, o campo democrático conseguisse pautar por dias seguidos o debate nas redes, fugindo de uma posição exclusivamente reativa.
Interessante observar o gráfico a seguir apresentado pela GloboNews em 14 de outubro e formulado pela agência Palver. Salta aos olhos como os ataques a Lula são constantes desde o começo da campanha, enquanto os ataques a Bolsonaro começam de forma mais robusta a partir do segundo turno, um claro “efeito Janones”.
*Fonte: https://g1.globo.com/globonews/globonewsmais/video/fake-news-levantamento-traz-resultado-de-como-as-mentiras-prejudicam-as-campanhas-na-disputa-presidencial-11027998.ghtml
A polêmica tática do deputado, que ora misturou posts com cortes reais de falas de Bolsonaro, ora posts com promessas de divulgação de informações polêmicas (às vezes falsas promessas), conseguiu quebrar a hegemonia discursiva da extrema direita nas redes no segundo turno.
Em verdade o “janonismo cultural” não é um fenômeno que democratas gostariam de ver nas eleições, é unânime que todos gostariam de estar discutindo projetos para o País no momento eleitoral, ao mesmo tempo também é fato que esta não foi uma eleição normal. A disputa se deu entre democratas e não democratas, e, infelizmente, esta última força levou o debate a um nível grotesco. Foi exatamente da necessidade de respostas pragmáticas em um pleito horrendo que nasceu o “janonismo cultural”,
Mas então, Janones esteve certo ou errado de empregar tais táticas?
Como diria Chicó, personagem de O auto da Compadecida, de Ariano Suassuna: “Não sei, só sei que foi assim!”.
[i] https://revistapb.com.br/artigos/justica-lenta-acelera-manobras-eleitorais/
[ii] https://theintercept.com/2022/10/27/bastidores-revelam-porque-a-campanha-de-lula-demorou-para-conseguir-reagir-as-fake-news-de-bolsonaro/?menu=1
[iii] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/10/18/tse-da-prazo-para-carlos-bolsonaro-se-manifestar-sobre-uso-de-redes-sociais-para-desinformacao.ghtml
[iv] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5043583-tse-ordena-que-nikolas-e-bolsonaristas-apaguem-fake-news-contra-lula.html
[v] https://piaui.folha.uol.com.br/eleicoes-2022/o-inflamavel
[vi] BATISTA, Frederico et al. (2022) “Fake News, Fact Checking, and Partisanship: The Resilience of Rumors in the 2018 Brazilian Elections”.
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