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Justiça lenta acelera manobras eleitorais

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Faltam seis meses para as eleições no Brasil, mas o clima eleitoral já se instaurou sem pedir licença. Talvez tenha sido culpa do carnaval, que este ano novamente não veio e, assim, não nos deu respiro antes de engatarmos o ano de vez.  Enfim, as eleições estão na pauta, e não é só isso, as movimentações políticas em torno do pleito estão a todo vapor. De fato, nada disso é novidade, parece que boa parte dos brasileiros já perceberam o ponto histórico em que estamos, só estão faltando as instituições de Justiça também perceberem.

Com respostas ainda lentas, pouco assertivas e, às vezes, com não decisões, o TSE e o STF vêm caminhando a passos de tartaruga em um cenário 2.0, tensionado e em que, para o bom funcionamento do processo, se exige agilidade, precisão e expertise máximas.

O caso do festival de música, que ocorreu em São Paulo entre 25 e 27 de março, mostrou que ainda falta preparo e rigor institucional para lidar com questões eleitorais polêmicas, que certamente pulularão em 2022.

O imbróglio se deu a partir de um processo apresentado pelo Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, em que se afirmava que estaria ocorrendo campanha eleitoral antecipada e ato semelhante a showmício no Festival Lollapalooza. A afirmação baseava-se em vídeos de algumas cantoras e cantores que manifestavam repúdio a Bolsonaro e, uma menor parte, apoio a Lula. Bom, esta poderia ser uma ação problemática, mas com começo e fim rápidos se tivéssemos um TSE mais atento e apegado à letra da lei. Não foi o que ocorreu. Primeiramente, em um fato digno de comédia pastelão, o partido autor da ação inseriu o número incorreto do CNPJ da suposta empresa organizadora do festival, coisa que o ministro que julgou a ação não percebeu, levando à não localização da sede da empresa e, assim, à não notificação desta. No segundo ato, tivemos o ministro Raul Araújo, magistrado que julgou a ação, acatando o pedido de liminar do PL. Parece que, neste dia, esqueceu-se em casa a Lei nº 9.506, de 30 de setembro de 1997 (com redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015), que postula claramente no Artigo 36:

não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet.

Enfim, a história seguiu tão vexatória, e a decisão de censura prévia com previsão de multa de R$ 50 mil foi tão descabida, que um turbilhão de manifestações da classe artística brasileira e da sociedade civil tomaram conta da internet.

E a correção dessa patacoada demorou. Só na segunda-feira seguinte (28 de março), quando o festival já havia findado, o presidente da Corte Eleitoral, Edson Fachin, afirmou publicamente que a decisão monocrática de Raul Araújo havia sido intransigente e, que no dia seguinte, se deliberaria sobre o caso. Neste meio tempo, o próprio PL desistiu do processo protocolado para o Tribunal Superior Eleitoral, possivelmente depois de uma avaliação de que o tiro havia saído pela culatra e que as manifestações de indignação ao ato poderiam prejudicá-lo eleitoralmente, ainda mais em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro tem sido mal avaliado pelos eleitores jovens e precisa conquistar votos desta coorte.

Poderíamos ainda levantar neste texto o caráter “dois pesos, duas medidas” do ministro Araújo, quando, por exemplo, não considerou outdoors em apoio a Bolsonaro como campanha eleitoral antecipada. No entanto, não é este o foco que aqui interessa.

O objetivo do desfiar da pequena trama novelesca da última semana foi salientar a “troca dos pés pelas mãos” da Justiça Eleitoral e o laissez-faire, laissez-passer do STF. Atuações estas que parecem já terem algum lastro na tradição. O problema é que as eleições de 2022 prometem ter alto nível de fricção, e certamente diversas tentativas de manobras políticas serão feitas e com uma velocidade nunca vista (trazida pela massificação das tecnologias digitais). Isso significa que as instituições de Justiça deverão estar atentas e fortes para agir com precisão. Senão poderemos ter, novamente, um 2018; o que o ministro do STF Alexandre de Moraes já disse que não permitirá.

Bom, a ver.

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