Artigo

Linha tênue entre crédito e inadimplência

Altamiro Carvalho
é assessor econômico da FecomercioSP  
N
Altamiro Carvalho
é assessor econômico da FecomercioSP  

Nos seis primeiros meses de 2022, as famílias brasileiras pagaram R$ 284,1 bilhões em juros, montante que representa 12,69% da renda dos lares no período. Na comparação com 2020, o valor é 18% maior, enquanto no comparativo com 2021, a variação foi de 9,9%. Isso significa dizer que o volume de juros pago aumentou R$ 43,3 bilhões em dois anos. Os dados são de um estudo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

O valor desses juros por pessoas físicas, no período, corresponde a quase cinco vezes o valor estimado de R$ 60 bilhões injetado por meio do Auxílio Brasil (R$ 600 por indivíduo), entre agosto e dezembro deste ano. Consequentemente, os recursos que poderiam aumentar a massa de rendimentos da população e estimular a economia – ao serem destinados a consumo e outras despesas – serão comprometidos com o pagamento deste montante.

Estes gastos, que representaram um dos maiores itens de despesa dos lares brasileiros, superou os valores destinados à educação, aos serviços de saúde e ao vestuário, ficando abaixo apenas do montante dispendido pelos grupos com aluguel e alimentação.

O crescimento dos pagamentos com juros está relacionado ao aumento da oferta de crédito no período. No primeiro semestre de 2022, o saldo das operações com recursos livres (que corresponde ao saldo das operações de empréstimo, financiamento, adiantamento e arrendamento) cresceu 11,6%, enquanto as concessões (valor das novas operações contratadas no período) avançaram 14%, na comparação com o mesmo período de 2021.

Frente ao cenário de inflação elevada, o crédito foi importante para os lares manterem o padrão de consumo. Além disso, a demanda reprimida durante a pandemia cresceu com a volta à normalidade, sendo sustentada pelo crédito em conjunto com a recuperação do mercado de trabalho. A taxa de juros cobrada no primeiro semestre de 2022 foi de 18,8%, praticamente estável na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Por outro lado, as sucessivas elevações da taxa Selic, assim como a inflação em alta, provocaram um cenário de deterioração financeira. Entre janeiro e junho, a taxa de inadimplência entre as pessoas físicas foi de 5,24% – índice que volta ao patamar recorde registrado em 2020 (5,3%). O valor dos empréstimos atrasados há mais de 90 dias (que, tecnicamente, conceitua a inadimplência) apresentou alta de 45,1%, somando R$ 85,3 bilhões no primeiro semestre de 2022. Em 2021, eram R$ 58,8 bilhões em atraso.

Levantamento recente do Banco Central (Bacen) mostra uma situação preocupante quanto ao aumento da contratação de linhas emergenciais de crédito, como o rotativo do cartão e o cheque especial – as duas modalidades mais caras do mercado.

O crédito foi fundamental para manter a economia girando, evitar a falência de muitas empresas e preservar empregos ao longo do difícil período de pandemia, que impôs restrições a grande parte das atividades. O Brasil, contudo, exige um custo elevado tanto para as famílias como para as empresas, retirando da sociedade pouco mais de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) semestral a título de pagamento de juros, o que representa uma parcela substancial dos rendimentos, inibindo as capacidades de consumo e investimento.

Os juros historicamente elevados no País são consequência direta de uma dívida crescente e gigantesca a ser financiada diariamente no mercado, pelo risco de descontrole. Fica evidente a pressão que uma dívida pública desta dimensão, agora muito agravada pelas circunstâncias da crise, exerce na fixação dos juros na economia.

A solução para o problema é complexa, pois determina a necessidade de revisão do tamanho da estrutura estatal. A importância do controle fiscal, mediante reformas estruturantes, é óbvia e cada vez mais explícita: minimizar e postergar esta questão implicará a permanência de uma sociedade exaurida por uma carga tributária de 35% do PIB e obrigada a pagar anualmente quase 8% desse produto apenas a título de juros, para manter o nível de consumo, arcando com as consequências de um Estado gigantesco que gasta muito (e gasta mal) e, ainda, absorve a maior parte do crédito do País.

Apesar do cenário atribulado, os níveis de renda observada nos últimos meses devem melhorar. Graças à recuperação do mercado de trabalho e à redução da inflação (com deflação por três meses consecutivos), além da injeção dos recursos do Auxílio Brasil no segundo semestre, ajudando para que os níveis de inadimplência permaneçam sob controle.

Para lidar melhor com os desafios da economia brasileira, tenha acesso a produtos exclusivos oferecidos pela FecomercioSP como mediação e arbitragem, cursos e consultoria sobre eSocial, defesa administrativa, adesão ao Regime Especial de Piso Salarial (Repis), entre outros.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.