Artigo

Maios sangrentos

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

Maio parece estar se consolidando como o mês da violência no Brasil, e da projeção internacional do País como um lugar onde não há segurança e as polícias matam livremente. Pelo segundo ano consecutivo, operações de forças de segurança do Rio de Janeiro deixaram dezenas de mortos durante o mês de maio, aprofundando uma reputação muito impiedosa do Brasil no resto do mundo.

Enquanto, em 2021, a mídia estrangeira usou termos como “banho de sangue”, “carnificina” e “extermínio” para se referir à, até então, mais letal ação policial na cidade, neste ano, o retrato do País não ficou muito melhor. “Os policiais vieram para matar”, dizia o título de uma reportagem publicada pelo jornal francês Le Monde sobre a violência imposta contra a população das favelas. Para completar (e piorar) a imagem brasileira, além da repetição de casos no Rio, em 2022, a truculência de policiais também se destacou pelo assassinato de Genivaldo Santos, sufocado em uma viatura da polícia rodoviária federal em Sergipe.

A imagem do Brasil no exterior já é tradicional e profundamente associada à violência. Mas casos que ganham mais visibilidade têm o potencial de ligar ainda mais a falta de segurança à projeção do País. Isso ficou muito evidente nos dois casos registrados no mês passado.

Segundo o Índice de Interesse Internacional (III-Brasil) – levantamento sobre as menções ao País na imprensa estrangeira –, a operação policial, que deixou mais de 20 mortos no Rio de Janeiro, levou a imagem brasileira a seu pior momento. Mais de 50% das reportagens que citavam o Brasil naquela semana tinham tom negativo, e quase uma a cada quatro citações na amostra analisada tratava especificamente da violência policial. Foi apenas a segunda vez, em pouco mais de dois meses de levantamento, em que as menções negativas ultrapassaram as de tom neutro na mídia internacional.

É importante salientar que a violência (inclusive por parte de policiais) não é um problema exclusivo do Brasil. Tanto é assim que muitas das análises internacionais sobre a alta taxa de letalidade da polícia comparam o que acontece aqui a casos de grande notoriedade nos Estados Unidos, por exemplo. A morte de Genivaldo foi comparada, por muitos veículos da imprensa internacional, ao assassinato de George Floyd, que virou um caso emblemático da luta contra a impunidade de policiais no país americano.

Além disso, um relatório recente da agência de análise de risco Verisk Maplecroft apontou as cidades mais violentas do mundo, e destacou que o problema é generalizado na América Latina, não só no Brasil. Apesar de Cabul, no Afeganistão, ser apontada como a menos segura do planeta, cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Manaus são citadas ao lado de Bogotá, Cidade do México, Chihuahua, Medellín e San Salvador, para indicar que 60% das cidades mais perigosas do mundo ficam na América Latina.

O problema do Brasil, além do risco imposto pela criminalidade, é que a polícia, supostamente responsável por oferecer segurança, acaba associada a ainda mais violência. Como avaliou recentemente o pesquisador dinamarquês Christoffer Guldberg, que defendeu sua tese de doutorado pelo King’s College London sobre a cidadania nas favelas cariocas, em uma sociedade democrática, não é papel da polícia decidir quem é bandido, tampouco quem merece ou não morrer.

Em um artigo sobre a exposição da violência brasileira publicado nesta mesma coluna em maio do ano passado, meu argumento era que a frequência com que ações assim se repetem torna a situação ainda mais desalentadora no Brasil. Precisar escrever isso novamente um ano depois só comprova o que dizia na época. Além de reforçar a ideia de que não existe uma política pública para tentar mudar esta situação e de que o País continua mergulhado na violência e na impunidade.

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