No capítulo 25 do clássico O Príncipe, escrito em 1513, Nicolau Maquiavel, considerado o precursor da ciência política moderna, disse o seguinte a respeito da relação entre a inevitável força do acaso e a possibilidade de intervenção humana para minorar os seus efeitos negativos: “Não me é desconhecido que muitos têm tido a opinião de que as coisas do mundo são governadas pela fortuna (acaso) e por Deus, de forma que a prudência dos humanos [intervenção] não pode corrigi-las (…). Por isso, poder-se-ia julgar que não devemos nos incomodar com elas, mas deixar-nos governar pela sorte. (…) Penso ser verdade que a fortuna seja árbitra de metade de nossas ações, mas, ainda assim, podemos governar a outra metade”. Ele ilustrou o seu raciocínio com um exemplo: se não podemos evitar as tempestades que provocam as enchentes que fazem tudo desabar, em contrapartida, podemos aprender com elas (prudência) para construir diques (virtude do empreendimento humano) que resistam aos seus efeitos.
A grave crise humanitária, provocada pelo novo coronavírus, pôs em causa a nossa capacidade de preparação para lidar com catástrofes mundiais, e, talvez, possamos aprender algumas lições com esse episódio. A primeira é a centralidade da política. De acordo com o indicador que mede o nível de preparação dos países para enfrentar crises sanitárias, o Global Health Security Index, numa escala 100, os Estados Unidos (83,5) estavam à frente do Canadá (73,3), e o Brasil (59,7), à frente da Nova Zelândia (54). Contudo, os canadenses e neozelandeses vêm se saindo muito melhor no combate ao vírus do que os norte-americanos e nós, brasileiros.
Ocorre que este índice avalia apenas a estrutura de resposta sanitária, desconsiderando-se que o funcionamento de todo este mecanismo depende de decisões e ações políticas consistentes.
De fato, o modo de enfrentamento da crise sanitária demonstrou que ações políticas diferentes produziram resultados diversos. É inevitável que assim o seja em todas as esferas da vida social, pois a política é a força motriz dos processos decisórios, envolvendo preferências, interesses, divisões sociais, correlação de forças, conflito e diversas formas de cooperação. Obviamente, as decisões são condicionadas pelo modelo constitucional de cada país, uma vez que este estabelece os parâmetros que balizam o comportamento estratégico dos atores. Não obstante, o arranjo das instituições não produz resultados automáticos – os operadores políticos devem ser hábeis para negociar e coordenar, assim como para unificar o País e as várias instâncias de governo em torno de um objetivo maior e comum, dentro das possibilidades reais que se apresentam em cada momento.
Isso nos ensina uma segunda lição: a liderança política é crucial. A depender do seu estilo, haverá maior ou menor prudência (sabedoria prática) e virtude (capacidade de agir) para lidar com as crises. Em boa medida, as atuações de Justin Trudeau e de Jacinda Ardern foram decisivas para a redução dos danos da pandemia nos seus países, diferentemente das posturas negacionistas, belicosas e até irresponsáveis de Donald Trump e Jair Bolsonaro, presidentes de países que lideram o número de mortes. Logo, dada a centralidade da política (primeira lição), faz toda a diferença dispor de uma liderança mais bem talhada para o ofício (segunda lição). Afinal, de nada adianta ter uma Ferrari se o piloto é o Mr. Magoo.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.