Artigo

Mil dias de caos

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

Os mil dias do governo de Jair Bolsonaro, completados nesta semana, trouxeram transformações sem precedentes para a política externa do País. Diferentes estudos acadêmicos têm avaliado as mudanças promovidas na diplomacia nacional durante estes quase três anos. A maioria das abordagens descreve uma reinvenção de tradições históricas do Itamaraty, em uma série de rupturas vistas como controversas e problemáticas. Para pesquisadores de relações internacionais, desde 2019, o Brasil passou a ter uma política externa baseada em uma estratégia de caos.

É verdade que diferentes governos na história da república brasileira fizeram mudanças na condução da política externa. No entanto, esses governos anteriores costumavam compartilhar objetivos e valores básicos da diplomacia. Bolsonaro desafiou a ideia de continuidade, e seu governo marca a ruptura mais significativa das tradições. Sob Bolsonaro, os princípios tradicionais da diplomacia brasileira, como o multilateralismo democrático, ficaram em segundo plano em favor do foco em políticas de tecnologia, infraestrutura e comércio. O Brasil deixou para trás a política de Estado para dar lugar a uma política de governo, pondo em xeque a imagem de independência do Itamaraty.

As mudanças foram anunciadas desde a campanha presidencial de Bolsonaro, o qual foi eleito prometendo desmantelar sistematicamente o perfil internacional do Brasil. O País deixou de ser um mediador confiável, negociador habilidoso e uma voz potencial para os países do Sul Global. O novo governo mudou o posicionamento do Brasil em relação a Cuba, Venezuela, China e Organização das Nações Unidas (ONU).

Desde a sua eleição, o plano de Bolsonaro é visto por pesquisadores como uma tentativa de destruir as antigas tradições diplomáticas do Brasil de relações pragmáticas e universais, o compromisso com o multilateralismo e a solução pacífica de disputas internacionais. Enquanto o novo presidente deu as costas à Nação para parceiros tradicionais, como a China, com base em uma suposta defesa da democracia e da liberdade, aproximou-se de outros países com governos autoritários, como Arábia Saudita, Hungria e Polônia.

Com Bolsonaro, foi a primeira vez que a ideologia de extrema-direita encontrou expressão na política externa nacional. Estudos sobre a recente onda de governos populistas desta política, em todo o mundo, argumentam que eles compartilham uma identidade sobre suas concepções de papel nacional formado pelo antiglobalismo e pela oposição às instituições internacionais, além do nacionalismo e um antagonismo permanente com algum inimigo. Isso é bem evidente no que o governo brasileiro tem feito em sua política externa desde 2019. A justificativa ideológica usada na sua condução, porém, parece mais voltada aos interesses internos e ao agrado da base política presidencial do que para uma estratégia real de política externa.

Embora tenha havido uma mudança clara de prioridades e tom, os primeiros resultados das estratégias de Bolsonaro foram visivelmente erráticos, às vezes incoerentes, e cheios de contradições. Em suma, as mudanças radicais rompem com a tradição da política externa nacional e assume o que é interpretado como uma estratégia de caos. Em mil dias, o governo desfez políticas que tinham sido bem-sucedidas na arena global e criou um perfil novo que não consegue ajudar na projeção do nacional. O resultado tem sido a erosão da imagem do Brasil no cenário mundial e uma crescente dilapidação das relações externas do País com outros atores internacionais.

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