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Muito além do toque feminino

Mariana Aldrigui
é doutora em Geografia Humana, pesquisadora em Turismo Urbano na Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP
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Mariana Aldrigui
é doutora em Geografia Humana, pesquisadora em Turismo Urbano na Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP

Anualmente, o mês de março é marcado por ações e ponderações sobre o papel da mulher no mundo. Inegavelmente, há avanços e conquistas que merecem ser celebrados – e pautas que seguem sendo muito necessárias, pois, mesmo debatidas à exaustão, não conseguem gerar as mudanças desejadas. A existência de mulheres em posição de liderança em empresas é um desses.

Atuando há mais de 25 anos no Turismo, observo com tristeza o fato de que retrocedemos em termos de igualdade de oportunidades – e isso nada tem a ver com a pandemia, muito embora um dos nefastos efeitos deste período será o da redução de mulheres no setor. No Brasil, entre as décadas de 1980 e 2000, as mulheres representavam cerca de 60% da mão de obra, especialmente nos setores de agenciamento de viagens e hotelaria. O setor de transportes era talvez o único com predominância masculina, exceto, obviamente, no papel de agentes de bordo – tanto que todos nos habituamos ao termo “aeromoça”. 

Nos cursos técnicos e superiores, também havia uma predominância feminina: em alguns casos, na relação de 9 mulheres para 1 homem em cada sala; o que foi se alterando ao longo dos anos, mas sem inversão – atualmente, a proporção é de 6 para 4. Esta métrica também se repete em países como Reino Unido, Espanha, Portugal, Alemanha e Austrália (e, possivelmente, em muitos outros). A entrada no mercado de trabalho se dá, portanto, nessa proporção, porém, a progressão na carreira até as posições de liderança replica o que já vimos em outros setores: mulheres preteridas ou abandonando as disputas ao perceber a manutenção de uma dinâmica de preferência pelo padrão masculino de trabalho. 

Há, contudo, um aspecto que chama a atenção: o fator feminino das atividades de turismo, especialmente envolvendo a prática da hospitalidade. Quase que a totalidade das empresas do setor lida com as atividades que envolvem o acolhimento e o bem receber, desde a organização adequada das informações e a audição qualificada para entender as demandas à tradução de práticas em serviços e experiências que sejam dignos de uma boa avaliação – de modo que não sejam tratados como commodities e, assim, rapidamente substituídos pelos mais baratos. 

Em se tratando de empreendedorismo, ano após ano os relatórios indicam que as micros e pequenas empresas lideradas por mulheres (ou com equilíbrio de gênero) nas posições de decisão tendem a apresentar soluções mais criativas e menor índice de falência ou endividamento, além de serem mais permeáveis à adoção de práticas sustentáveis. 

As empresas que estruturam as equipes de forma a garantir o olhar para o feminino são reiteradamente mencionadas como casos de sucesso – quanto mais igualdade e diversidade, melhores os resultados. Destaque-se, por exemplo, o caso da Blue Tree Hotels (Chieko Aoki), da Teresa Perez Tours (Teresa Perez) e dos restaurantes Maní (Helena Rizzo) e Arturito (Paola Carosella).

É oportuno adicionar que a liderança política feminina foi decisiva na condução da pandemia, com consequências que ainda serão mensuradas para o turismo – as imagens que se formaram sobre Nova Zelândia, Alemanha, Noruega e Taiwan serão legados de anos para a promoção internacional visando a captações de investimentos e, por consequência, turistas.   

Para além de seguir tendências ou se alinhar a um ou outro movimento, a composição de equipes diversas que garantam a presença feminina na gestão de empresas, organizações e organismos públicos pode ser a diferença entre fracasso e sucesso.

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