Trágico. Deprimente. Horrível. Para a revista Times – pelo menos é o que diz a capa deste mês –, o pior de todos os anos. Em época inglória, tivemos um “ano que não terminou”; agora, temos um ano que, convenhamos, sequer deveria ter começado. Simplesmente voltar no tempo, presumindo ser isso possível, não seria a solução; teríamos, isso sim, que dispor de alguma máquina que nos permitisse tanto retroceder como avançar na linha temporal. Então, talvez 99% dos inquilinos desse planeta desejassem saltar de volta para 2019 e, de lá, pular direto para 2021. Às favas com 2020! Digo 99% porque, como se sabe, 1% dos viventes desfrutou de um ano para lá de feliz, muito obrigado. Suas fortunas, já atlânticas, multiplicaram-se algumas vezes, numa taxa muito acima da R0 [taxa de transmissão] do covid-19 (nessa toada, seremos “Elois” e “Morlocks” muito antes do previsto).
Ah, se simplesmente pudéssemos dar uma cambalhota no tempo e saltar de 2019 para 2021! Mas, espere. Quem garante que 2021 será melhor?
E se 2020 não for nada mais do que a fagulha incandescente de um rastilho de pólvora cuja detonação nos aguarda num futuro próximo? Ou, quem sabe, 2020 seja o produto daquilo que os estudiosos de processos políticos chamam de junção crítica? Explico: num passado recente (2013? 2014? 2016? 2018?), uma espécie de encruzilhada histórica nos ofereceu caminhos alternativos, alguns bons, outros ruins; mas, como “viver é negócio muito perigoso”, elegemos um curso que nos colocou numa rota de colisão social repleta de perversidades pelo caminho. Entramos, assim, em 2020 – um vórtice de crises que parece não ter fim. O próprio redemoinho que faz dançar o diabo na rua. “Deus esteja”!
Se essa elucubração fizer algum sentido, talvez o flagelante 2020 nem seja o ápice dessa desventura, mas sim o quinto círculo do inferno político que, nós, iracundos, teremos de suportar após uma sucessão de erros desastrosos que, inadvertidamente, cometemos. Ânimo, caro leitor! Adentramos onde não deveríamos ter adentrado, mesmo assim, nem por isso temos de deixar à porta todas as nossas esperanças. Antes do purgatório, há mais alguns círculos a atravessar, bem sei; mas quem sabe tudo isso não passe de uma comédia (torçamos para que não seja uma tragédia) e, portanto, haveremos de alcançar o paraíso?
Mas, quando? Em 2021? Ainda não. No próximo ano sequer chegaremos ao purgatório; ou alguém acredita que estas eleições municipais operam algum milagre e, como mágica, as próximas gestões resolverão os impasses econômicos e as sequelas da crise sanitária num piscar de olhos? Não, o tempo é pouco para tantos afazeres. São tantos os nós para se desatar! E ainda são tantos os que seguem obstinados na indústria de enodar! Pois sim, escapar desse labirinto em que nos metemos sem nenhuma Ariadne, meus concidadãos, exigirá esforço, resiliência e, sobretudo, a capacidade de fazer escolhas sensatas nas próximas junções críticas.
Atenção, porém, 2022 está logo ali na esquina do tempo. Outra fresta da janela histórica irá abrir-se a nós. Que trama política seremos capazes de urdir? À luz da experiência, temos a tarefa de aprender com os nossos erros para não os repetir. Temos o dever – “um dever amaríssimo”! – de iniciar a construção do cenário de escolhas já neste ano vindouro, mas com “passos calculados e deduzidos” – “um silogismo perfeito”, se possível, cujas premissas permitam uma conclusão mais generosa para o nosso País. “Plus ultra”! Que 2021 seja a antessala de um futuro mais sábio, justo e iluminado. Sic mundus creatus est!
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