Artigo

O apagar das luzes

Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Uma técnica antiga de entrevistas é fazer as perguntas mais capciosas ao final, já depois de se levantar e no processo de se despedir. Mais à vontade e descontraído, o entrevistado tende a estar com a guarda baixa e, talvez, revelar algo que não o faria sentado durante a entrevista formal. A metodologia é usada por jornalistas e pesquisadores qualitativos desde que o mundo é mundo. A proximidade das festas de fim de ano também resulta numa sensação de segurança do Congresso, que não raro se aproveita da “guarda baixa” da população para aprovar proposições de impopulares a vergonhosas neste período.

Uma semana antes do Natal,veio a promulgação da PEC dos precatórios. Materialmente, é incompatível com a meta de segurança jurídica e ajuste fiscal que são imprescindíveis à retoma da economia. Formalmente, inaugura o fatiamento para promulgação. Se, antes, havia o risco dos textos legislativos se tornarem “Frankensteins”, agora, o desafio é fazer o monstro chegar inteiro, com pé e cabeça. Enquanto isso, a votação do primeiro turno da PEC, que teve parlamentares votando “em missão”, segue com a caixa-preta fechada. Não se sabe quem foi autorizado a votar ou por quê. Sabe-se, no entanto, que sem esses votos a PEC não teria atingido o quórum mínimo para aprovação.

Ainda na semana que precede as festas, foi aprovada outra PEC, que concede isenção do IPTU para templos de qualquer culto religioso. Originada no Senado, a PEC isenta do pagamento do imposto inclusive as igrejas que sejam somente locatárias e não proprietárias do imóvel. O IPTU é uma das principais fontes de arrecadação dos municípios, e a retirada de uma parte de sua receita pode resultar no aumento da dependência de municípios menores da União.

O apagar das luzes de 2021 vai ficar marcado pela derrubada do veto presidencial ao obsceno fundo eleitoral de 5,7 bi, mas, como o diabo mora nos detalhes, mais notável do que o que foi aprovado é o que não foi pautado. Dentre os vetos presidenciais que ficaram de fora do bloco natalino está o feito à distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e detidas.

Também foram adiados para fevereiro vetos relacionados à pandemia, como o programa emergencial de retomada do setor de eventos e a quebra de patentes das vacinas. Outro projeto no campo da saúde, que obriga os planos a cobrir os gastos de clientes com medicamentos de uso domiciliar e oral contra o câncer, também foi procrastinado. Por fim, o Congresso optou por adiar a votação do veto presidencial ao projeto que torna crime a disseminação de notícias falsas capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral.

Enquanto isso, segue a empreitada do “Grupo de Trabalho para estudar o Regimento Interno da Câmara”, cujo até o nomeé mal pensado. Se Arthur Lira fez o que fez sem consultar qualquer outro parlamentar, é difícil imaginar o que pode fazer com a chancela de deliberação pelo grupo. Diversos dispositivos que ampliam as prerrogativas da presidência em função do período de isolamento social correm o risco de se consolidarem como regras formais.

A sanha produtivista segue povoando o imaginário e os discursos do Congresso. Em corpos coletivos, celeridade só se alcança quando há centralização. Lei não é salsicha, que se produz a granel. É preciso retomar o inestimável valor do diálogo e do debate. Apertem os cintos, senhoras e senhores, o ano ainda não terminou.

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