“O Brasil não precisa de inimigos externos”, avaliou um consultor francês radicado no País durante uma entrevista sobre o status brasileiro no mundo. A conversa fez parte da minha pesquisa de doutorado (e aconteceu sob anonimato), mas a interpretação dele reflete a de muitos outros estrangeiros que conhecem bem o País. A ideia é que o Brasil tem um enorme potencial para se destacar como uma das nações mais avançadas do planeta, mas se afunda em problemas internos e se torna o seu próprio inimigo na tentativa de construir uma nação mais rica, desenvolvida e poderosa.
Esta visão pode ser percebida claramente no contraste entre as capas das edições especiais da revista The Economist sobre o Brasil em 2009 e em 2021, evocando dois pontos importantes da percepção externa sobre o País. A imagem do que “decolava” no fim da primeira década do século 21 deu lugar ao retrato de uma nação triste e abatida, “em coma”, após uma década perdida. E a culpa é do próprio Brasil, segundo esta avaliação externa.
Em 2009, quando o País “decolava”, via-se o resultado positivo da democratização, da estabilização da economia sob Fernando Henrique Cardoso, das continuidades política e econômica aliadas à redução da pobreza levada adiante por Lula, da promessa de um futuro melhor. Ainda era preciso fazer ajustes e reformas para garantir o avanço, mas o potencial estava posto, e tinha tudo para dar certo.
A revista, publicada em junho deste ano, faz um balanço de tudo o que acabou dando errado desde então, fazendo o País perder o rumo da decolagem prevista 12 anos antes: problemas econômicos, corrupção, criminalidade, milícias, destruição da Amazônia, falta de uma reforma política e lobbies religioso e da bala. São muitos os revezes que fizeram o Brasil ver sua situação se deteriorar, especialmente desde 2013.
Houve problemas na condução sob Dilma Rousseff e faltou avançar no que se construiu nos anos anteriores, o que levou a uma grave recessão. Entretanto, a situação ficou ainda pior desde então, mesmo com o impeachment da criticada presidente. Michel Temer, elogiado pela revista após assumir a presidência, se envolveu em escândalos de corrupção e não ajudou a corrigir os rumos do País, segundo a reportagem mais recente. Foi a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, entretanto, que mergulhou a Nação na situação sombria em que se encontra, segundo a The Economist.
O Brasil elegeu Bolsonaro, e o presidente é descrito como uma constante ameaça às instituições e à democracia nacional. Sua postura durante a pandemia ajudou a tornar o Brasil um dos países com maior mortalidade por covid-19 no mundo. Suas promessas para a economia são vistas como vazias e sem lastro ou potencial de ajudar. Em resumo: a The Economist diz que o Brasil criou os problemas que acabaram com a sua ascensão e que o primeiro passo para ajudar o País a se recuperar é garantir que Bolsonaro deixe a presidência.
A revista é uma publicação que costuma refletir o pensamento da elite econômica global. Longe de uma postura ideológica contra Bolsonaro, ela tem uma tradição de defesa de ideias do liberalismo econômico e se baseia nisso para construir muitas de suas críticas.
Esta abordagem ecoa muito da percepção sobre o Brasil entre as nações mais poderosas do planeta. A aparente incapacidade de aproveitar oportunidades que o País já tem é vista como parte de uma impressão de que ele é responsável por suas próprias limitações e é o seu próprio inimigo, limitando seu crescimento e desenvolvimento.
O caminho da decolagem do Brasil foi o da democracia, do consenso em torno de propostas para o desenvolvimento nacional, da defesa da Amazônia e da redução do desmatamento, do respeito às minorias e da construção de um papel internacional ativo – independentemente de quem fosse o presidente. Tudo isso é visto sob ameaça durante o atual governo. E o caminho mais certo para o País deixar de atrapalhar o próprio desenvolvimento seria retomar estas balizas que levaram a acumular todo o seu potencial visto em 2009.
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