Artigo

O Brasil democrático é um Estado de direito

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

Há aproximadamente um ano, o mundo assistia à invasão do Capitólio, sede do Legislativo norte-americano, durante a sessão que confirmaria a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais norte-americanas de 2020. Insuflada por declarações do ex-presidente Donald Trump, que, sem apresentar (até hoje) qualquer prova concreta de suas alegações, atribuía sua derrota a supostas fraudes eleitorais, uma multidão de invasores entrou no prédio legislativo, com a intenção de reverter a posse presidencial, imaginando-se amparada numa distorcida interpretação da liberdade de expressão. Um ato concreto que feriu o aparelho institucional norte-americano e fez sangrar momentaneamente uma sólida e longeva democracia.

Em nosso país, onde amadurece uma jovem democracia e seu respectivo aparelho institucional, um presidente, (legitimamente eleito) que não esconde sua admiração pelas práticas trumpistas, desde muito cedo em seu mandato, brada para sua bolha de apoiadores sobre supostas (e nunca provadas) fraudes no sistema eleitoral brasileiro, preparando uma narrativa para, numa eventual derrota eleitoral, embasar futuras manifestações de seus apoiadores. Da mesma forma, no 7 de setembro, proferiu falas que deslegitimavam as instituições e defendiam atos “fora das quatro linhas da constituição”. As reações foram duras, e houve recuo quanto às manifestações públicas, deixando essas pautas apenas para os meios onde encontram ressonância.

Este cenário e seus eventuais riscos não passaram despercebidos. Na solenidade anual de abertura do ano judiciário brasileiro, o ministro presidente do STF apresentou efusivo discurso, no qual assinalou que o “Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, concita os brasileiros para que o ano eleitoral seja marcado pela estabilidade e pela tolerância, porquanto não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para violência contra as instituições públicas”. Ainda, assumiu o compromisso de que “a pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal, neste primeiro semestre de 2022, continuará dedicada às agendas da estabilidade democrática e da preservação das instituições políticas do País, porquanto estamos em ano eleitoral”.

Por sua vez, o ministro Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou também, em discurso de abertura dos trabalhos daquele Tribunal, que o Brasil terá eleições livres em 2022, com as instituições funcionando, apesar de identificar a existência de uma estratégia eleitoral antidemocrática, na qual “o populismo extremista e autoritário ataca instituições judiciais e ataca as instituições eleitorais como uma forma de minar a democracia”, acrescentando que líderes políticos têm procurado desacreditar as instituições e atacar tribunais e autoridades eleitorais.

As instituições do sistema de Justiça estão atentas aos discursos antidemocráticos e às iniciativas políticas concretas que possam, ainda que potencialmente, pôr em risco a ordem constitucional e a continuidade de nosso regime político. Posicionam-se, ainda, na linha de frente dos discursos e das primeiras ações que visam a proteger o equilíbrio político-institucional, a defender a confiabilidade e a legitimidade de nosso sistema eleitoral e a garantia das liberdades individuais e coletivas, mesmo expondo pessoalmente as figuras de seus líderes e se pondo em risco perante à opinião pública.

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