A invasão da Ucrânia pela Rússia começou a reorganizar o equilíbrio de forças na Europa. O ataque, que buscava enfraquecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acabou tendo efeito contrário, e, apesar da pressão russa, líderes da Finlândia e da Suécia anunciaram querer que seus países se juntem à organização militar do Ocidente.
O movimento foi surpreendente, dado que são dois países que, tradicionalmente, permaneciam neutros nas disputas entre grandes potências. Segundo o professor de segurança internacional na Universidade de Birmingham (Inglaterra), Stefan Wolff, a decisão indica que a neutralidade como postura de política externa não é mais vista como forma viável para países menos poderosos navegarem nas zonas de perigo das grandes rivalidades globais.
Apesar de o foco desta mudança ser a situação do conflito na Europa, ela também pode ter influência marcante sobre o Brasil. A exemplo de Suécia e Finlândia, o País tem uma longa tradição de respeito à soberania de outros países e de neutralidade em disputas internacionais. Dentro da tradição da política externa brasileira, a neutralidade permite que o Brasil mantenha boas relações com todos os países e se beneficie disso. É um estilo de diplomacia pragmática, que faz sentido em tempos de paz e ajuda o País a se projetar como uma potência média capaz de navegar sem grandes crises entre as maiores potências globais.
A posição brasileira chega a ser criticada por muitas nações mais poderosas, que dizem que costumamos ficar em cima do muro e não nos posicionamos de forma marcante a respeito de questões globais.
É algo que pode ser visto na forma como o Brasil se coloca a respeito do ataque russo à Ucrânia. Desde o início do conflito, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a neutralidade em relação à guerra. Além da tradição do Itamaraty de propor uma “posição de equilíbrio”, o governo brasileiro tem estado preocupado com o suprimento de fertilizantes russos, fundamentais para o agronegócio brasileiro, o que o levou a evitar uma condenação ao regime de Vladimir Putin. E, assim, reforça esta postura neutra.
Mas o redesenho das alianças na Europa, visto na candidatura de dois novos países à Otan, indica que o posicionamento brasileiro pode ser insustentável no longo prazo. Se, em um primeiro momento, o País tem conseguido resistir à pressão dos Estados Unidos e da União Europeia e evitado condenar a Rússia, a ampliação da rivalidade entre os dois blocos pode forçar o Brasil a ter de escolher um dos lados. E isso pode levar o Itamaraty a precisar repensar a melhor forma de manobrar para favorecer os interesses nacionais.
A situação é a de uma Nação que não é vista como fundamental dentro das principais disputas globais, mas que é grande e importante o suficiente para atrair os interesses das potências – algo como um peão disputado no tabuleiro da geopolítica global. Para muitos observadores externos, esta classificação do Brasil indica dificuldades na sua tentativa de se tornar uma potência global, mas é verdade que se encaixa sem problemas dentro da tradição de um país de força média, que quer ter boas relações com diferentes governos.
A partir de agora, a situação pode estar se transformando, e manter-se neutro pode se tornar inviável em uma tensão global maior.
Por um lado, os Estados Unidos e a União Europeia são parceiros políticos e comerciais históricos do Brasil, com laços que vêm desde a nossa formação; por isso, vão querer que o País esteja alinhado a eles, como durante a Guerra Fria. Do outro lado, além da Rússia, há os outros Brics (Brasil, Índia, China e África do Sul) – especialmente a China, que recentemente se tornou o maior parceiro comercial do Brasil. A neutralidade, até agora, beneficiou e permitiu que o Brasil mantivesse boas relações com todos os lados. Ter de escolher entre um dos dois lados pode acabar trazendo prejuízos.
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