Artigo

O Brasil foi às urnas!

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Apenas duas semanas após a proclamação dos resultados eleitorais de 2022, abundam gráficos, tabelas, índices e análises minuciosas das composições das bancadas legislativas estaduais e nacionais, do perfil dos governadores eleitos e reeleitos, dos votos em branco e nulos, da abstenção eleitoral e de uma série de outros aspectos. Cientistas políticos, jornalistas especializados em política e cientistas de dados já debateram à exaustão a acuidade das pesquisas eleitorais, os impactos das fake news no pleito, a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as alianças de segundo turno, o perfil social do voto, os movimentos golpistas contra a vitória de Lula e, até, as dificuldades que serão enfrentadas pelo próximo presidente da República na relação com o Congresso e para implementar a sua agenda.

Atenção menor, contudo, foi dispensada àquilo que podemos chamar de “o grande quadro da competição política a nível nacional” – The Big Picture! Subjacentes a estes eventos conjunturais, movimentam-se e se entrelaçam elementos estruturais mais profundos, cujos impactos nos processos políticos de agora e de amanhã têm mais abrangência e durabilidade. Olho nisso!

Em primeiro lugar, a eleição de 2022 sinalizou que a votação alcançada pela candidatura de Bolsonaro, em 2018, não foi um desvio de percurso ocasional do até então consolidado padrão bipolar de competição centrípeta e, portanto, moderada pelo Executivo Nacional. A eleição deste ano mostrou que a atípica eleição de quatro anos atrás, em verdade, foi o ponto inicial de uma nova estrutura de competição que poderá persistir por algum tempo.

Graças à radicalização à direita, imposta pelo fenômeno do bolsonarismo, estabeleceu-se uma dinâmica centrífuga. Isso foi possível porque a aliança histórica entre a centro-direita e a direita, sob a liderança do PSDB, esfacelou-se irremediavelmente. Abriu-se, assim, a oportunidade para uma reaproximação entre a direita e a extrema direita, robustecida pelo clima moralista e militarista que prosperou no País nos últimos anos.

Em segundo lugar, a eleição deste ano indicou que a centro-direita não apenas deixou de ser um dos principais polos da competição presidencial como também se tornou irrelevante. Arrastando-se desde 2014, o PSDB foi se inflamando com disputas internas até ser acometido por uma espécie de doença autoimune que o incapacitou de lançar candidatura própria em 2022. Sem o seu tradicional protagonista, a centro-direita teve de contar com a candidatura de Simone Tebet, inclusive a contragosto de parcela significativa do MDB. Os seus poucos mais de 4% de votos foram eloquentes o bastante para indicar o atual tamanho da centro-direita na preferência eleitoral (detalhe: Alckmin teve votação similar em 2018).

Em terceiro lugar, a centro-esquerda segue firme como um dos polos da competição. O PT, por sua vez, mantém-se como o líder inconteste desse polo. Lula, acima de tudo, continua sendo a “estrela-guia” do partido e, por extensão, da própria centro-esquerda. Aliás, a eleição de 2022 confirmou que, desde o retorno à democracia, a competição para presidente não é apenas balizada pelo PT, mas pela personagem Lula. Observe-se: até 2014, havia uma oposição de centro-direita ao Partido dos Trabalhadores e sua principal liderança; a partir de 2018, contra PT e Lula, emergiu uma oposição de extrema direita amplamente apoiada por grupos e partidos de direita. Agora, quais são as consequências destes fatores estruturais?

Ao passo que a centro-direita não conseguir recuperar o seu protagonismo, este cenário político radicalizado à direita persistirá. Contudo, no curto prazo – e, talvez, no médio –, a centro-direita não terá condições de voltar à posição anterior a 2018. Faltam-lhe uma liderança carismática de projeção nacional e, também, um projeto de país que seja capaz de combinar os interesses do mercado (que são os seus interesses) com as necessidades sociais, em algum modelo próprio de desenvolvimento nacional.

Enquanto isso, a ameaça do retorno da extrema direita ao poder funcionará como um vetor de propulsão para que a centro-esquerda se desloque ainda mais para o centro e, por que não dizer, para a centro-direita em algumas políticas. Isso quer dizer que o retorno da centro-direita à estrutura de competição bipolar é mais interessante para o PT do que o quadro atual, seja porque a disputa é travada de forma mais leal e democrática, seja porque o partido não se verá obrigado a flexibilizar demais o seu posicionamento ideológico.

De fato, a necessidade de uma grande aliança democrática contra as ameaças autoritárias já começa a cobrar o seu preço na formação do futuro governo. Esta “fagocitose” do PT pelas “forças do campo democrático” da centro-direita inevitavelmente produzirá conflitos tanto entre os parceiros da “geringonça” como dentro do próprio partido.

Por fim, estes elementos estruturais apontam para algumas incógnitas em relação ao panorama político dos próximos anos, com vistas à eleição presidencial de 2026. Caso não consiga retomar a sua posição na competição bipolar, a centro-direita deixará este espaço livre para que a extrema direita se mantenha como a força antagonista da centro-esquerda e, por consequência, do PT. Entretanto, a principal figura do partido provavelmente sairá de cena em definitivo. Sem Lula, o que será do PT? O partido se fragmentará em correntes conflitantes como irmãos rivais na orfandade? Sem Lula, e com o PT em crise por causa da sua ausência, o que será da centro-esquerda? Sem centro-esquerda e centro-direita, o que será da democracia brasileira? O que será da nossa nova transição democrática? A estrutura é essa. Atores, mãos à obra!

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