Num mundo onde a propaganda ideológica e a guerra informacional estão no foco dos debates sobre inteligência e defesa, é importante lembrar que muitas das estratégias vistas hoje não são exatamente uma novidade.
O termo “propaganda” (do latim propagare) ganhou o sentido moderno no século 17, quando o papa Gregório XV instituiu uma congregação para combater a disseminação de ideias protestantes pelo mundo. Entretanto, foi na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que a propaganda ganhou status de arma psicológica. Campanhas de propaganda por meio de panfletos foram extensamente usadas para debilitar o moral de soldados alemães no front, com notícias falsas ou promessas aos que se rendessem. A imprensa foi também amplamente utilizada para mobilizar a opinião pública com o que alguns historiadores chamam de “propaganda de atrocidades”: narrativas (algumas delas, fabricadas) sobre ações bárbaras contra civis inocentes.
Nos anos de 1930, com a popularização dos aparelhos de rádio, uma nova era de comunicação de massas atingiu em cheio o debate político. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que seria deflagrada com a invasão da Polônia pelos nazistas em 1939, foi também precedida por uma intensa guerra de ideias. A América Latina, vista como estratégica na produção de commodities essenciais à Europa, se tornou alvo de campanhas internacionais. Estações de rádio alemãs e Italianas passaram a transmitir programas em português para o Brasil em meados daquela década, com uma programação carregada de propaganda nazifascista.
Isso preocupou sobremaneira as autoridades britânicas, que, desde a Primeira Guerra Mundial, viam a sua influência na região decrescer e ser substituída pela presença norte-americana. Para disputar território no embate informacional que marcou os anos de 1930, o Reino Unido criou os serviços externos da British Broadcast Corporation (BBC), fundando, em março de 1938, os serviços de transmissão em português e espanhol para a América Latina.
Inicialmente, a BBC transmitia para o Brasil boletins sobre os desdobramentos da política na Europa – a primeira transmissão, em 14 de março do mesmo ano, narrou a anexação da Áustria por Hitler –, mas o serviço evoluiu rapidamente para incorporar programas de entretenimento: musicais, resenhas de livros, crônicas sobre o cotidiano e radioteatro. Com a entrada do País na guerra, em agosto de 1942, a seção em português ganhou destaque e verbas, o que despertou o ciúme de membros do serviço em espanhol.
O conteúdo das transmissões seguia orientações desenvolvidas por um grupo seleto de especialistas que formavam o Comitê de Propaganda, composto por membros do Ministério da Informação, do Ministério das Relações Exteriores e de dirigentes da BBC.
As estratégias desenvolvidas eram sofisticadas e envolviam temas percebidos como caros aos ouvintes: a ocupação da França pelos nazistas em 1940, por exemplo, virou pauta de programas de radioteatro, já que os ingleses entendiam que as elites latino-americanas tinham uma formação cultural francófila, e essas seriam sensibilizadas por relatos sobre a luta dos franceses contra o nazismo. Uma outra estratégia implementada pelo comitê foi a de apelar para a religiosidade dos ouvintes, associando valores e imagens cristãs aos britânicos e seus aliados. Um foco especial também foi dado a programas que sublinhassem as relações históricas de amizade e cooperação entre Brasil e Inglaterra. A BBC se tornou, assim, veículo-chave na diplomacia cultural britânica.
Para escrever, produzir e transmitir os programas, um grupo de talentosos intelectuais latino-americanos foram contratados pela empresa. Dentre eles, o escritor brasileiro Antônio Callado, que trabalhou para a BBC entre 1941 e 1947. As peças de radioteatro de Callado para a BBC, descobertas recentemente em arquivos britânicos, foram compiladas por mim e publicadas no livro Roteiros de radioteatro durante e depois da Segunda Grande Guerra (1943 a 1947), pela Autêntica, para celebrar o centenário do autor, em 2017.
Já as políticas de propaganda desenvolvidas pela BBC e pelos serviços de inteligência do governo britânico são motivo de análise do artigo “Propaganda e entretenimento no serviço latino-americano da BBC durante a 2ª Guerra Mundial: O Caso Antônio Callado e a Seção Brasileira”, que assino para a revista inglesa Media History.
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