Artigo

O Brasil vai às urnas!

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

2022. Que ano! O mundo começou a sair da pandemia que parou o mundo. Quase mil dias nos abalaram! Mas, que nada… Alheio a tudo isso, 2022 já prenunciava um carrossel de emoções: uma onda de quase 100 processos eleitorais mundo afora, 79 eleições diretas para formar parlamentos e escolha de chefias do Executivo e referendos, além de 19 eleições indiretas para presidentes (14) e instâncias parlamentares (5).

Logo em janeiro, Portugal elegeu os seus 230 representantes à Assembleia da República, num pleito antecipado pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, a fim de resolver um impasse na “geringonça” – a inequívoca denominação que se deu à coalizão de governo liderada pelo Partido Socialista. Apurados os votos, a 13ª legislatura da 3ª república portuguesa emergiu das urnas com o predomínio do partido de António da Costa, o primeiro-ministro mais resistente no cargo desde a redemocratização do país.  Os votos também proclamaram a acentuada perda de espaço do Bloco de Esquerda e o surpreendente crescimento do Chega, a extrema direita encabeçada por André Ventura.

Em fevereiro, a Rússia deu início à sua ofensiva militar em Donbass, leste da Ucrânia. No contexto de decadência dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, o conflito é o teatro de operações mais visível de uma brutal “guerra híbrida” de longa data entre os controladores da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e as duas potências militares, econômicas e tecnológicas emergentes – Rússia e China. Como não podia deixar de ser, os impactos imediatos desse terremoto geopolítico já se fizeram sentir no quadro político-eleitoral de diversos países.

Em abril, húngaros e sérvios votaram. Viktor Orbán, o primeiro-ministro ultraconservador da Hungria obteve, para a sua aliança partidária (Fidesz-KDNP), uma maioria tão acachapante que, segundo ele, daria para vê-la desde Bruxelas – uma jocosa provocação à oligarquia que domina a União Europeia. A Sérvia elegeu tanto as bancadas parlamentares como o seu presidente: ex-premiê por dois mandatos e eleito presidente em 2017, Aleksandar Vučić recebeu das urnas a confiança de cerca de 60% dos seus concidadãos para continuar no cargo. Ocorre que tanto Orbán como Vučić, considerados populistas de extrema-direita pelos “parceiros ocidentais”, são próximos demais de Putin para o gosto de Biden e sua entourage.

Também os franceses votaram em abril. Precisaram de dois turnos para reeleger Emmanuel Macron. Novamente, “A República em Marcha!” teve de contar com os votos da esquerda para derrotar a nacionalista de direita Marine Le Pen. Desta vez, porém, por pouco mais de 1% dos votos a segunda vaga na ballotage (outra forma de dizer “segundo turno”) escapou das mãos do líder esquerdista Jean-Luc Mélenchon. De fato, a menor distância entre os três candidatos sinalizou a crescente insatisfação dos franceses com a situação econômico-social do país. Isso ficou ainda mais evidente nas eleições parlamentares de junho, quando Macron perdeu a maioria absoluta no Legislativo e nenhuma outra aliança partidária ocupou este lugar – um fenômeno que não se via desde 1988 e que os ingleses costumam chamar de hung parliament. Opositoras às políticas pró-Bruxelas e mercadistas de Macron, a ultradireita e a esquerda francesas aumentaram a sua representação parlamentar.

Antes disto, no fim de maio, Gustavo Petro foi eleito o primeiro presidente de esquerda da Colômbia. Em conjunção com a vitória de Gabriel Boric, em dezembro de 2021, no Chile, o resultado eleitoral colombiano vem sendo interpretado como o sinal de uma possível nova onda de governos de esquerda na região, a se confirmar com a provável terceira presidência de Lula da Silva – um fato político que José Zapatero, ex-presidente espanhol, qualifica de fato político e histórico mais importante no cenário mundial em décadas. Entretanto, Boric teve um amargo revés quando a nova Constituição foi amplamente rejeitada pela população. Petro tem enfrentado protestos crescentes contra os seus projetos, em especial sobre tributação e reforma agrária. Seja como for, Estados Unidos, Inglaterra, Rússia e China estão de olho nisso!

Ainda em setembro, os resistentes (sic) da ilha de Cuba votaram um referendo a respeito da mudança constitucional de dispositivos relacionados à Lei da Família. Não sem polêmicas encrespadas entre camaradas progressistas e conservadoras, aprovou-se a alteração do artigo 36 da lei que definia o casamento como uma união voluntária entre um homem e uma mulher. Agora, a normativa tornou-se mais genérica e, assim, permite a legalização de modalidades variadas de união. A polêmica, contudo, continua acesa por lá.

Há poucos dias, a Itália deu vitória a uma aliança de partidos que levará uma organização de origem fascista ao poder pela primeira vez, desde 1945. Com um sistema político cronicamente instável, a queda do primeiro-ministro Mario Draghi levou à antecipação das eleições, num contexto de crescente crise econômica e de protestos contra as ingerências da União Europeia na autonomia do país. Favorecidas pelo sistema eleitoral, que preencheu 40% das vagas do parlamento pelo voto em distritos uninominais, a direita e a ultradireita se juntaram para assegurar à líder do partido Fratelli d’Itália, Giorgia Meloni, a possibilidade de ser a primeira mulher a chefiar o governo nacional. A agenda de Meloni, embora conservadora em relação a direitos e garantias das minorias, além de ser soberanista quanto a Bruxelas, possivelmente manterá o país no curso “atlantista”, ou seja, de vinculação com os Estados Unidos e a Otan. Entretanto, até quando e até que ponto?

Acabaram de acontecer os referendos em Lugansk, Donetsk, Zaporozhia e Kherson, regiões até então ucranianas que, em breve, serão incorporadas à Federação Russa. O resultado põe mais lenha na fogueira do conflito, pois qualquer ataque a esses territórios será considerado um ato de guerra contra a própria Rússia, dando margem a reações mais contundentes de Moscou. Junte-se a isto as sabotagens nos gasodutos Nord-Streem 1 e 2, que aprofundarão a já grave crise energética europeia, a inflação elevada e a recessão econômica e se completa o panorama de tsunamis políticos neste e no próximo ano. Mais ainda, além das prováveis quedas de premiês – como Olaf Scholz (Alemanha) e Liz Truss (Inglaterra) –, as eleições norte-americanas em novembro devem deixar Joe Biden mais enfraquecido.

Barbaridade! “O diabo na rua, no meio do redemoinho!” E a gente aqui, com a nossa eleição: do fim do mundo ou da sua reconstrução. Sim, o Brasil vai às urnas com o mundo pegando fogo, inclusive o nosso. O País vai às urnas para decidir se vamos ou não dar início a mais uma transição democrática. Só que, desta vez, teremos de fazer a transição em meio à crise da própria democracia liberal, e num contexto em que os anos de 2020 se parecem assustadoramente com os de 1920. Está em pauta o tipo de liderança que vai nos guiar no mar tormentoso dos próximos anos. Não é só a nossa democracia que está em jogo.

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