Sob o olhar brasileiro, a Grã-Bretanha pós-Brexit foi vista de acordo com duas dimensões principais. Uma, mais relacionada a geopolítica e política externa, e a outra, econômico-comercial. Estas duas perspectivas, no entanto, não são totalmente convergentes.
Do ângulo geopolítico, o Brexit foi enxergado como uma manifestação preocupante de nacionalismo e isolacionismo. Percepção que se expressa tanto no ambiente diplomático como no meio acadêmico – neste último, mais explicitamente. O processo de integração europeu sempre foi tido com admiração e exemplo pela intelectualidade brasileira e pela instituição diplomática. E o Brexit, interpretado como um duro golpe para o multilateralismo estável que a União Europeia (UE) representa, bem como um reacendimento de ideias nacionalistas que já causou bastante convulsão a nível mundial. Discursos xenófobos, bem como políticas de controle de migração, muitas vezes associadas ao Brexit, são aspectos considerados negativos.
O documento publicado pelo governo britânico em março passado – Global Britain in a Competitive Age: the Integrated Review of Security. Defence, Development and Foreign Policy – expressa as ideias principais que nortearão o Reino Unido no mundo pós-Brexit. Para alguns analistas brasileiros, porém, a política externa britânica está se baseando em duas ilusões. A primeira seria a de que o Reino Unido poderia exercer imensa influência na Europa mesmo que ficasse fora dela, especialmente agora, após o Brexit. A segunda, que os interesses da Grã-Bretanha sempre estarão mais bem protegidos se o País mantiver um alinhamento automático com os Estados Unidos.
Em geral, no entanto, a política externa do Reino Unido tem refletido uma posição muito mais multilateral do que o próprio Brasil, demonstrando que seus interesses globais continuam a ser perseguidos por meio de sua participação nos principais órgãos internacionais de tomada de decisão (Conselho de Segurança das Nações Unidas, G7, G20, OMC). Também mantém uma relação estratégica especial com o país norte-americano, que continua sem problemas por meio de governos de diferentes matizes em Washington, como os de Donald Trump e, agora, de Joe Biden.
Na perspectiva econômico-comercial, contudo, a percepção tem sido muito positiva no Brasil, principalmente para o agronegócio, setor em que o País é definitivamente competitivo e global. Se, por um lado, existe uma admiração pelo processo de integração europeia, por outro, sempre houve desconforto com a forma como a UE trata o Brasil (e o Mercosul) no contexto comercial. Não que haja um relacionamento ruim com o bloco. Sempre houve, no entanto, um subjacente sentimento de injustiça no País sobre a forma como a UE trata certos setores produtivos nacionais: com muitas restrições comerciais. Alguns exemplos deste protecionismo europeu se refletem na aplicação de normas sanitárias de extremo rigor; subsídios gigantes para produtos agrícolas europeus; e em requisitos técnicos restritivos para produtos brasileiros.
Aqui, não estou entrando na questão ambiental, que é um capítulo à parte e tema para um texto por si. Em quase todos estes casos, o Brasil interpreta se tratar de um certo protecionismo europeu o verdadeiro motivo das medidas restritivas. O certame ambiental, a meu ver, entretanto, não deve ser incluído neste quadro de protecionismo, uma vez que o Brasil não tem se destacado positivamente na área recentemente.
O Reino Unido sempre foi tido pelo Brasil como um aliado dentro da UE, embora não haja conseguido evitar estas barreiras consideradas abusivas por este último. Neste âmbito, o Brexit traz consigo o potencial de abrir ao Brasil possibilidades comerciais mais favoráveis e, de fato, ser positivo para as relações bilaterais.
Enfim, em um cenário pragmático, o Brasil tem potencialmente o que ganhar com o Brexit. Uma condução também pragmática da relação entre os dois países pode favorecer em muito o comércio exterior nacional e, ao mesmo tempo, contribuir para um melhor posicionamento do País globalmente, neste momento de consolidação de parcerias internacionais do país britânico.
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