Recentemente, realizamos, no Rio de Janeiro, a primeira Conferência Ethos 360º presencial desde a pandemia, chamando a atenção para um olhar transversal a todas as discussões, as quais abordaram gamas diferentes de assuntos: as desigualdades brasileiras. O tema, inclusive, foi escolhido como norteador de todas as ações do Instituto Ethos em 2023 — e, muito provavelmente, continuará sendo nos próximos anos. Mas, afinal, pensar o futuro sem desigualdades no Brasil é um ato de ousadia ou uma possibilidade real? Eu fico com ambos e acrescento um terceiro: é também um ato de responsabilidade e de responsabilização. Não podemos eximir ninguém nessa discussão, em que o setor empresarial tem papel de extrema relevância.
Ao completar 25 anos de atuação no País, o Ethos olha para trás e vê uma trajetória de muitos avanços (e muitos desafios) nas questões sociais, ambientais e de governança, que culminaram no conceito e nas práticas ESG para o século 21. No fim da década de 1980, em nível global e historicamente, essas discussões não eram sequer abordadas nos governos (tampouco nas empresas), por isso a importância de uma organização como o Ethos surgir naquele momento, no mundo, o qual necessitava olhar e atuação contundentes no que se conceituou chamar de responsabilidade social empresarial.
Um dos principais desafios, à época, era como lidar com as particularidades de cada país. No Brasil, com dimensões continentais, esse tema se mostrava ainda mais desafiador, e totalmente secundário. O Ethos se propôs a mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir os negócios de forma socialmente responsável, colaborando, dessa forma, com a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
Foi um longo caminho até que o conceito ESG aparecesse e se consolidasse no setor empresarial neste século. O termo surgiu somente em 2004, em uma publicação do Banco Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições financeiras de nove países, a Who Cares Wins. Até então, esses três pilares eram tratados, na maior parte das vezes, de forma separada.
Ao longo de 25 anos, vimos como a sociedade civil e as empresas se engajaram em defesa da agenda ASG (Ambiental, Social e de Governança — termo que usamos em português por entender que o conceito tem características específicas nacionais). Empresas essas que se tornaram mais capazes de adotar novas práticas, assumindo a responsabilidade por seus impactos e compromissos públicos por mudanças. Ainda assim, mesmo com uma nítida melhora nos indicadores ambientais, sociais e de governança no Brasil e nas empresas, ainda há um longo caminho se quisermos alcançar um futuro sem desigualdades, que citamos no começo do texto.
A pesquisa Diversidade e inclusão nas Empresas 2023, realizada pelo Instituto Ethos em parceria com a revista Época Negócios, por exemplo, mostra que, das 199 empresas participantes, quase metade (47,74%) monitora a relação entre o maior salário e a média salarial dos demais empregados — porém apenas 15,5% estabelecem metas para reduzir a disparidade dentro da companhia. Mais de 75% dos negócios disseram eliminar a diferença salarial injustificada entre empregados brancos e negros. Por outro lado, somente 32,6% das companhias contam com metas para que a proporção de funcionários negros siga a mesma do perfil demográfico regional. Esses números mostram que há uma certa evolução — em especial no monitoramento de dados relacionados à diversidade —, mas ações e resultados ainda deixam a desejar.
É importante que a pauta ASG seja, efetivamente, uma realidade nas empresas e não apenas uma atitude protetora dos investimentos de seus acionistas. A sigla consolidou também uma série de relatórios avaliativos para que pudessem dar mais segurança ao investimento. No entanto, para que essas práticas tenham, de fato, um resultado positivo para o desenvolvimento sustentável e para a responsabilidade social das empresas, é necessário dialogar com muitos outros pontos, os quais não respondem somente às expectativas dos investidores. É necessário, por exemplo, atingir as expectativas de demanda dos trabalhadores e das trabalhadoras, dos consumidores, da sociedade como um todo, das comunidades impactadas em que o setor empresarial está presente, das políticas públicas, sas relações com as instituições etc.
Na Conferência Ethos no Rio de Janeiro, realizada em junho de 2023, a primeira de uma série de cinco eventos que abordarão a responsabilização do setor empresarial em temas como equidade, diversidade, inclusão e transparência, discutimos como esse “novo mundo” impactado pela tecnologia e pelas mudanças climáticas atingem diretamente as populações mais vulneráveis. São pontos que o setor empresarial não pode mais se eximir da responsabilidade.
As companhias são vetores de mudanças. Felizmente, algumas já entenderam a importância das próprias ações e se comprometem com as causas ASG, mas a grande maioria ainda faz somente o básico — ou nem isso. Os próximos 25 anos serão de muito trabalho, e apenas a conscientização não é suficiente. É preciso agir! Dessa forma, poderemos enfrentar as desigualdades brasileiras e olhar com esperança para o que está por vir.
Apesar de diferentes cenários para um futuro menos desigual, tenho uma certeza: a de que uma sociedade mais igualitária é melhor para todas e todos.
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