Artigo

O Impasse Mexicano de 2022

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Esta é uma das cenas mais icônicas de Bastardos Inglórios, a película cult de Tarantino que narra uma peculiar “caçada” aos nazistas durante a Segunda Guerra: três membros das Forças Aliadas, disfarçados de oficiais alemães, entram numa taberna. A missão é encontrar uma espiã (Bridget), crucial para os seus planos de combate. Entretanto, o trio se depara com uma inesperada e perigosa coincidência: no local, soldados inimigos festejavam a paternidade de um colega. Para piorar, um autêntico oficial alemão desconfiou dos recém-chegados.

Ambiente tenso, conversas atravessadas, provocações, entreolhares suspeitos e sorrisos falsos…

De repente, um dos disfarçados (tenente Archie) pede três copos de uísque, erguendo os dedos para confirmar a quantidade desejada. Pronto! Com este gesto traiçoeiro, o inglês travestido de nazista (o ator, Michael Fassbender, curiosamente é alemão!) revelou a farsa. Germânicos não fazem o número três com os mesmos dedos que os ingleses usam. Um simples aceno: consequências catastróficas!

Ouvimos, então, um acionamento de gatilho: o ressabiado oficial da Gestapo (major Dieter) ­saca a sua Walther P38 por baixo da mesa e faz ameaças. Ato contínuo, os três aliados também sacam as suas pistolas e miram no nazista. Ao lado, o grupo de soldados alemães segue bebericando. Embora borrachos, certamente tomarão parte na refrega.

Assim estava dado o impasse: quem atirasse primeiro seria atingido pelos demais, que, por sua vez, seriam baleados pelos restantes, que também seriam alvejados por alguém nesta quadrilha sangrenta.

Bastante usada em filmes do Velho Oeste, esta situação é conhecida como “impasse mexicano”, um tipo de confronto que envolve pelo menos três agentes na seguinte condição: cada um deles tem “poder de fogo” para destruir os demais, mas não ao mesmo tempo. Assim, se atacar “B”, “A” se tornará vulnerável ao disparo de “C”, que, então, vencerá; se “B” atacar “C”, será vencido por “A”; caso “C” ataque “B”, será vencido por “A”; e assim por diante.

Logo, quem disparar primeiro será o perdedor, juntamente com o atingido, deixando o terceiro com o “prêmio”. Isso significa que ninguém atacará ninguém, pelo menos se os agentes forem prudentes – que, como sabemos, não foi o caso do filme! Arrastados pela circunstância para este “beco sem saída”, eles terão de se conformar com o empate provisório até que surja alguma estratégia capaz de viabilizar a vitória de um deles sem pôr a própria pele em risco.

Quem diria! A corrida presidencial de 2022 vem assumindo feições similares a de um “impasse mexicano”. Os atores sentados à mesa da nossa Taverna La Lousiane são: Lula/PT, Bolsonaro e a via alternativa ­– que chamarei de “Alt3”.

No caso do PT, investir no impeachment de Bolsonaro abriria espaço para a Alt3, que herdaria os eleitores “nem-nem” e os “órfãos” de Bolsonaro. Este seria um risco desnecessário. Dado que a Alt3 não representa qualquer ameaça, a melhor estratégia para o PT é prolongar o impasse até a eleição, deixando que Bolsonaro e a Alt3 se engalfinhem ao máximo, mas sem que o conflito descambe para o impeachment. Com isso, a vitória, no segundo turno – ou, quem sabe, já no primeiro –, estaria assegurada. Contudo, há um porém: pode surgir um revés favorável à Alt3. Já veremos.

Bolsonaro, por sua vez, se atacar tanto o PT como a Alt3 – como, aliás, vem fazendo (assim como o impulsivo sargento Stiglitz), – restringir-se-á (salve, Temer!) aos seus cerca de 25% de apoio eleitoral. Isso talvez o permita sobreviver ao primeiro, mas não ao segundo turno contra o PT. Ademais, investir em ataques mais incisivos somente contra a Alt3 ou apenas contra o PT não o retirará da sua frágil condição.

A Alt3 está numa situação ainda mais difícil. Primeiro, porque terá de abater dois oponentes que dispõem de apoio eleitoral consolidado. Por um lado, Bolsonaro é o principal adversário no primeiro turno; por outro, Lula é o seu grande concorrente nesta eleição. A Alt3 tem de sobreviver ao primeiro turno para sequer cogitar uma vitória sobre o PT. Para tanto, precisará, antes, se livrar de Bolsonaro.

Então, se disparar toda a sua munição agora contra o PT e deixar Bolsonaro incólume, a Alt3 não reduzirá a base eleitoral de Lula e, ainda, deixará o caminho livre para o atual presidente disputar o segundo turno. Por outro lado, de que adianta atacar Bolsonaro pesadamente se o seu eleitorado cativo não arreda um centímetro da sua posição de apoio?

Remover Bolsonaro da competição é a melhor estratégia para viabilizar uma possível vitória da Alt3. Um impeachment, no entanto, seria muito arriscado, pois o “tiro pode sair pela culatra”. Isso envolve um processo demorado e desestabilizador, com consequências imprevisíveis. Inclusive, o PT pode sair fortalecido. O mais viável é aguardar até o momento do registro das candidaturas, pois a Justiça Eleitoral terá elementos de sobra para rejeitar a inscrição de Bolsonaro em razão da campanha antecipada.

Assim, Bolsonaro concluiria o mandato, mas não concorreria à reeleição. Esta seria uma saída menos “letal” para ele (“num grande acordo”) e, ao mesmo tempo, uma janela de oportunidade para a Alt3 disputar o segundo turno. De fato, como anunciado acima, este é o risco que o PT correrá se não houver impeachment.

Entretanto, mesmo neste caso, a Alt3 teria a árdua tarefa de encontrar um nome à altura do desafio – alguém com habilidade estratégica, carisma e potencial de voto. Depois de várias tentativas frustradas, restaram-lhe duas lideranças: Ciro Gomes e Eduardo Leite. Há sinais de que, se vencer a disputa interna do PSDB contra João Doria, Leite, pelas mãos estratégicas de Tasso Jereissati, poderá se tornar o candidato a vice de Ciro, numa reaproximação de tucanos remanescentes com tucanos desgarrados.

Mas, ainda restaria um desafio final. Se for o candidato da Alt3, Ciro terá de lidar com uma complexa situação exemplarmente descrita por um termo alemão: Zugzwang. Aplicado ao jogo de xadrez, o termo exprime a condição em que, ao ser obrigado a fazer a próxima jogada, o jogador se vê intrincado numa configuração das peças em que qualquer movimento que fizer o levará à derrota. Podemos extrair disso que um jogador hábil sempre tentará induzir o adversário a se meter numa enrascada do tipo Zugzwang. Inversamente, um jogador inábil tenderá a se colocar em Zugzwang.

Com as pontes políticas que já implodiu, e que continua a implodir, Ciro está se colocando numa Zugzwang eleitoral. A continuar assim, quando for a sua vez de se mover, talvez não sobrem jogadas vitoriosas. Resultado: ⊙¹. 

Impasse mexicano… Zugswang…  Sabe-se lá o que mais nos espera!

E ainda temos um ano pela frente!

 ¹ Este é o símbolo que indica, na descrição de uma partida de xadrez, quando um jogador ficou numa situação de Zugzwang.

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