Artigo

O Invasor ou Ação entre Amigos? (contém spoilers)

Bárbara Dias
é doutora pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-IESP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Bárbara Dias
é doutora pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-IESP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Ivan, Estevão e Gilberto se conhecem desde a faculdade e são sócios há 15 anos de uma construtora em São Paulo. Em uma reunião, os sócios brigam pela gestão da empresa, debatendo sobre negócios escusos que envolviam licitações fraudulentas. Estevão, o principal acionista, ameaça sair da sociedade, o que poderia afundar a companhia. Ivan e Gilberto decidem, então, contratar alguém para matar Estevão. Eles contratam o assassino profissional Anísio, que, depois de realizar o “serviço”, surpreendentemente se declara sócio da construtora e começa a chantagear Ivan e Gilberto. Além do mal-estar provocado por sua presença indesejada na empresa, Anísio continua com práticas extorsivas e assume cada vez mais o controle.

Esta é a sinopse de um filme de Beto Brant, intitulado: O Invasor (2002). Não sei bem por que associei a trama do longa-metragem ao choque sentido pela jornalista Leilane Neubarth diante da suposta tentativa de invasão ao quarto de hotel da doutora Ludhmila Hajjar, no dia 15 de março de 2021.

Quão comovente foi a reação de Leilane! No entanto, restou-me cá uma dúvida: teria sido mesmo tão difícil prever que os discursos promovidos pelos patrões da jornalista culminariam em tanta violência? Não era óbvio para eles que Anísio tentaria controlar a empresa?

Fiquei imaginando… Depois de muito incômodo provocado por Anísio, os sócios Ivan e Gilberto decidiram passar alguns dias em Nova York. Eles foram almoçar com Amigos no famoso restaurante Perucchi, os queridos Elun Mosk, Arnaud Bernalt, Murk Zackerberg e Warret Buffen.

Ivan e Gilberto relataram os constrangimentos e as angústias impostas por Anísio. Os Amigos, aborrecidos, cobraram atitudes mais corajosas dos sócios paulistanos. Elun Mosk indagou:

— Mas eu disse para vocês não contratarem este tipo de jagunço. Nosso Amigo, Érico Príncipe, por meio de sua empresa, ÁguaSuja Inc., oferece um bom catálogo de serviços. Gente competente e compromissada conosco. Eu contratei esse tipo de serviço. O profissional está em Miami e nem sabe que fui eu quem o contratei. Nós ajudamos vocês, incentivando todo um aparato institucionalizado que erodiu o tecido social brasileiro, sob a promessa de limpeza dos bandidos e corruptos.

Warret Buffen continuou:

— Já falei para vocês que estamos numa luta de classes. Tudo bem, estamos ganhando, mas apenas porque sabemos que a integração social só se resolve pela violência.

Acrescentou Arnaud Bernalt:

— Meninos, o que vocês fizeram foi desperdiçar as oportunidades que criamos para vocês. Deixaram que Anísio se tornasse o vetor de nossas forças.

Murk Zackerberg já batia o pé:

— Poxa! Eu também ajudei! Promovi, em boa medida, o anti-intelectualismo autoritário como vocês pediram! Contribuí para irradiar a irracionalidade religiosa. Deixei todos pensarem que são empreendedores iguais a nós. Até os seus caubóis, lá do Mato Grosso e do Pará! E ainda propaguei todo o nosso ideário via WhatsApp, só para confirmar. Fizemos um trabalho extraordinário! Criamos grupos com base em afinidades eletivas improváveis que iam da maçonaria aos vínculos de honra masculina de pequenos agentes do mercado – sem falar da ralé miúda que insiste em acreditar que desfrutamos do mesmo nível de igualdade e que são até mais arrivistas e conservadores do que nós.

Os Amigos riam.

Cansado, Ivan se levantou indignado:

— Vocês esquecem que também fomos contratados por vocês? E que vocês tinham asco da nossa presença? Hoje, até nos toleram. E, por vezes, nós passamos a participar de almoços como este. É verdade que não participamos de festas e comemorações mais íntimas, mas o que importa é que estamos juntos. O que vocês não entendem é que, frente ao perigo representado por Estevão, Anísio foi um mal menor e necessário. Pensamos que, em período posterior, ele seria substituído por um dos funcionários de vocês, mais bem treinado e civilizado. Agora, está claro que erramos o cálculo! Só que Anísio está lá, sentado na mesa de Estevão, nos extorquindo!

E ainda conta com uma horda dentro da empresa que não acredita mais na gente. E precisamos dessa horda! Amigos, vocês não entendem! Nós perdemos o controle! Achávamos que Anísio seria mais um dos nossos serviçais, mas ele é O Invasor.

E aí, Amigos, o que vamos fazer?

Ninguém respondeu a Ivan. Anísio recebeu uma nova ligação vinda de Nova York.

(Essa é uma obra de ficção).

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