Artigo

O mecenas do modernismo

Herbert Carvalho
é jornalista, escritor e mestre de xadrez. É autor do livro Alguma coisa acontece... a cidade de São Paulo em 22 depoimentos. (Editora Senac, São Paulo)
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Herbert Carvalho
é jornalista, escritor e mestre de xadrez. É autor do livro Alguma coisa acontece... a cidade de São Paulo em 22 depoimentos. (Editora Senac, São Paulo)

O Brasil de 1922 era, ainda, um país rural, dependente da economia cafeeira, com 70% de analfabetos. O modernismo, por esta razão, surgiu de uma elite culta constituída por magnatas do café de São Paulo, que passavam boa parte do tempo na Europa, onde mantinham contato com as vanguardas.

Paulo Prado, colecionador de arte moderna – com “dupla personalidade de escritor e comerciante”, na definição de Oswald de Andrade –, foi o principal expoente desta aristocracia que abriu os salões de suas mansões para abrigar intelectuais e artistas modernistas em saraus e almoços dominicais.

Aqui, a arte moderna não precisou batalhar para se impor, como na França, com a insurreição do impressionismo. Bastou ignorar o Rio de Janeiro, então capital do País, sede da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Academia Nacional de Belas Artes (Aiba), baluartes da continuidade dos cânones, como explica Mário de Andrade:

“A Semana era uma ideia audaciosa e dispendiosa. Só uma figura como Paulo Prado e uma cidade grande, mas provinciana, como São Paulo, podiam fazer o modernismo. São Paulo era espiritualmente muito mais moderna que o Rio. No Rio, existia uma burguesia riquíssima, mas não uma aristocracia tradicional. O Movimento Modernista foi nitidamente aristocrático”.

Nada era tão aristocrático quanto os salões da “madrinha do modernismo” Olívia Guedes Penteado – também descendente de barões cafeicultores – ou a Villa Kyrial de Freitas Valle, mecenas que proporcionou bolsas de aperfeiçoamento na Europa para Anita Malfatti e Victor Brecheret, entre outros. Enquanto alguns modernistas eram oriundos de famílias abastadas – como Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade –, os demais foram acolhidos e apoiados pelos endinheirados patrocinadores da Semana de 22.

Primeiro a subscrever a lista de contribuições destinadas ao aluguel do Theatro Municipal, Prado foi seguido por Dona Olívia e também por René Thiollier, advogado e intelectual cuja família era dona de todo o Vale do Anhangabaú; Numa de Oliveira, banqueiro; Alfredo Pujol, advogado e político; Oscar Rodrigues Alves, político e filho do ex-presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves; Armando Álvares Penteado, cafeicultor e industrial; e José Carlos de Macedo Soares, jurista e político.

Para completar o “curioso caso de uma vanguarda político-cultural à sombra de uma situação oligárquica” – nas palavras do crítico Antonio Candido –, o evento foi divulgado com destaque pelo jornal Correio Paulistano (órgão do Partido Republicano Paulista) e pelo presidente do Estado, Washington Luís (depois, presidente do Brasil derrubado pela Revolução de 1930), que custeou parte das despesas com a hospedagem dos artistas provenientes do Rio.

A própria ideia da Semana surgiu na Avenida Higienópolis, durante a visita do pintor Di Cavalcanti à mansão de Prado, autor de Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira – polêmica obra que estabelece a primazia de São Paulo em relação aos demais Estados do País. Prado acreditava que o Brasil vivia uma “profunda anemia intelectual e artística”, que só podia ser superada com base em uma mobilização da sociedade paulista, de sua elite e dos artistas que a compunham.

ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO #467 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NA BANCAH.

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