Quando, em fevereiro de 1922, o escritor e diplomata Graça Aranha inaugurava a Semana de Arte Moderna, a diplomacia cultural brasileira resumia-se a iniciativas individuais e esparsas.
O Itamaraty enviava alguns músicos e escritores amigos para apresentações nas vizinhanças sul-americanas, enquanto Santos Dumont e Tarsila do Amaral eram nomes celebrados nos círculos parisienses. Figuras como Luiz Souza Dantas – embaixador que levou à França as excursões de Villa-Lobos e Les Batutas e as primeiras exposições de pintura brasileira – cultivavam contatos nos meios intelectuais e incentivavam ações pontuais de promoção da arte nacional. Fora de nichos, não se sabia sobre a cultura do País, conhecido basicamente por sua exuberância natural e pelo café que exportava. Os estrangeiros, em geral, associavam o Brasil, entidade distante, ao atraso da monocultura escravista.
Naqueles anos de 1920, o modernismo brasileiro era marginal, as instituições que ditavam os cânones artísticos do País lhe eram hostis. Na Exposição Internacional do Centenário da Independência, por exemplo, reinaram as expressões academicistas e a arquitetura neoclássica, a qual seria adotada oficialmente como representação externa do Brasil. Com a ascensão anti-establishment de Getúlio Vargas, acirrar-se-ia a disputa pela identidade cultural brasileira; em poucos anos, o modernismo subverteria o sistema que combatera e se confundiria com a própria brasilidade.
A diplomacia cultural e o modernismo institucionalizaram-se simultaneamente. Ao longo da década de 1930, Vargas, seu ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, e os modernistas desenvolveram relação simbiótica. A linguagem universal destes ia ao encontro do lugar que o Estado Novo – não obstante o autoritarismo doméstico – vislumbrava para o Brasil no mundo. Para projetar renovada imagem do País, o chanceler Oswaldo Aranha lançou mão da estética moderna, convergente com os valores liberais que se consolidariam ao longo da Segunda Guerra. O Brasil desejava mostrar seu rápido desenvolvimento e apresentar-se como potência industrial ascendente, capaz de aportar política, militar e culturalmente à ordem que emergia.
Nesse cenário, o Brasil foi um dos pioneiros na incorporação da diplomacia cultural à sua burocracia. O Itamaraty estabeleceu o Serviço de Expansão Intelectual em 1934, mesmo ano em que se fundou o British Council e quatro anos antes da criação da Divisão de Relações Culturais do Departamento de Estado norte-americano. O pavilhão brasileiro projetado por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para a Exposição Universal de Nova York, em 1939; a mostra de arquitetura Brazil Builds no MoMA, em 1943; e a Exposição de Pinturas Modernas Brasileiras, na Royal Academy de Londres, em 1944, iniciativas patrocinadas pelo Itamaraty, exibiam as credenciais do País moderno, que aspirava protagonismo na comunidade das nações. Não por acaso, o austríaco Stefan Zweig cunhou, nos anos de 1940, a persistente alcunha de “país do futuro” (destrinchada em artigos nesta Problemas Brasileiros).
A partir de então, entre marchas e contramarchas, o Brasil consolidou sua relevância para o mundo. Sua imagem, antes restrita a poucos estereótipos, tornou-se multifacetada; e sua cultura, reconhecida. O interesse pelo País aumentou, e com ele, o desafio de melhorar sua reputação, agora consistente e complexa. Transcorreu um século desde a abertura da Semana de Arte Moderna, que, como se sabe, somente a posteriori foi proclamada um marco. Mas o movimento político-intelectual que a antecedeu e (sobretudo) seguiu participaria de um projeto de nação e de uma política exterior orientados para o desenvolvimento, em momento de profundas transformações globais.
Atualmente desprovida de recursos, a diplomacia cultural brasileira resume-se a iniciativas individuais e esparsas. Novamente, o sistema internacional reconfigura-se. Em tempos de democracia, poderemos, felizmente, contar com as lições legadas por artistas e diplomatas modernos ao redefinir nossa contribuição para a humanidade, nossa ideia de nação e seu lugar na ordem que se conforma.
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