Pode parecer estranho, e talvez um tanto simplista, mas, de fato, tudo se resume à competição por recursos. Charles Darwin – assim como outros antes dele – percebeu nitidamente este fato básico e incontornável da existência: todos os seres vivos estão condenados à luta pela sobrevivência, dia após dia, incessantemente. No grande esquema das coisas, a sobrevivência de cada indivíduo específico assegura a procriação de novos indivíduos também específicos, que, por sua vez, promovem a reprodução da espécie. Ao reproduzir-se, cada espécie se ramifica de acordo com as variações de determinadas características, que podem reduzir ou aumentar as suas chances de adaptação, seja à diversidade ambiental existente, seja às mudanças dos habitats.
Porém, nada disso sucederá se os recursos necessários à sobrevivência estiverem indisponíveis – comida, água, energia, abrigo etc. –, tanto pela sua escassez natural como pela sua concentração nas mãos de alguns indivíduos ou grupos. Logo, se a luta pela sobrevivência é a luta por recursos, a disputa de recursos é a mola propulsora da competição entre grupos e indivíduos.
Tal competição é travada mediante a adoção de duas estratégias possíveis: conflito e cooperação. Os atores investem no conflito quando possuem as condições de dominância unilateral diante dos seus adversários ou quando são forçados a fazê-lo em virtude de alguma circunstância inevitável. A primeira situação proporciona ganhos máximos, a segunda, perdas e ganhos incertos. No entanto, ambos os casos são raros, pois quase sempre é preciso contar com a colaboração de outros indivíduos ou grupos. A própria vida social decorreu desta condição – isolados, os seres humanos vivem pouco e precariamente.
Não obstante, se a vida coletiva é a competição cooperativa visando a ganhos mútuos, ela mesma é fonte de outras duas formas de conflito. Primeiro, um conflito interno envolvendo a partilha dos recursos apropriados, cuja solução demanda a pactuação de regras a respeito (1) da distribuição de tais recursos e (2) da própria forma de resolução dos conflitos. Segundo, um conflito externo, relativo à competição entre o grupo que controla a área onde estão os recursos e os grupos estrangeiros – aqui, os acordos são igualmente indispensáveis para transformar a animosidade em competição cooperativa.
Em essência, essas convenções, ou seja, as instituições, são acordos cooperativos visando à resolução de conflitos distributivos em torno da diversidade de recursos, naturais e sociais, materiais e simbólicos. Dito de outro modo, debaixo do verniz civilizatório, podemos perceber que todas as formas de regulação emergiram, direta ou indiretamente, da imparável e inescapável competição pelos recursos indispensáveis à vida social.
Por isso, à parte a guerra, a disputa política mais acirrada tem como objetivo dar os contornos mais relevantes do desenho institucional. Dele depende a forma de exploração e partilha dos recursos, um arranjo que, invariavelmente, privilegia alguns grupos em detrimento de outros. Inclusive, esse desequilíbrio nos ganhos mútuos é o que move as constantes mudanças institucionais – sempre há indivíduos ou grupos que lutam politicamente para melhorar a sua posição na partilha dos recursos.
Portanto, a partir das necessidades básicas, nós, os humanos, fomos muito mais longe do que qualquer outro ser vivo nessa competição; erigimos sofisticados arranjos políticos, complexos sistemas econômicos, rigorosos ordenamentos legais e intrincados valores morais. Já não se trata apenas da sobrevivência e da procriação; desenvolvemos necessidades sociais e, com elas, um estado de ânimo que não busca meramente a sobrevivência, mas a sobrevivência abundante. Sim, queremos uma boa vida! Exigimos tudo! Almejamos o máximo conforto. Desejamos status. Por isso, somos ávidos por dominância.
Esse imperativo, desde sempre, baliza as nossas relações com a natureza e com os membros do nosso grupo, da nossa comunidade e de outras comunidades. Levado às últimas consequências, esse jogo competitivo de cooperação e conflito instaura um estado latente de guerra sempre a ponto de eclodir. Afinal, se outros possuem os recursos de que precisamos, ou queremos, temos que, de algum modo, curvá-los às nossas necessidades. Se possível, pela cooperação; se necessário, pelo conflito. E como os outros devem pensar e agir da mesma forma, temos que providenciar todos os meios de defesa possível.
Por vezes beirando a instabilidade, o equilíbrio dinâmico pode ser perturbado de duas formas. Numa delas, os atores dominantes perdem poder perante o fortalecimento de outros atores e reagem – da mesma forma que leões jovens desafiam os leões alfa mais velhos até que um confronto violento se irrompe –; na segunda, os atores se deparam com uma drástica escassez de recursos vitais, um sinalizador de que o conflito aberto é a única chance, mesmo que remota, de sobreviver.
Então, o que poderá ocorrer quando as duas formas de incentivos ao conflito mais incisivo emergirem simultaneamente? O que poderá ocorrer quando grupos dominantes forem desafiados por grupos que desejem uma dominância compartilhada? E o que poderá ocorrer quando os recursos indispensáveis à vida humana escassearem rapidamente? Como manter ou firmar acordos cooperativos em ambientes de seca, frio e calor extremos, pandemias, fome, crise econômica e apagões energéticos? Que estratégia de competição marcará a relação entre grupos e nações nos próximos anos? Os seres humanos e as suas instituições estão preparadas para lidar com esses desafios?
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