A pandemia de covid-19 levou ao cancelamento do maior símbolo do Brasil aos olhos do mundo. O País não está celebrando o Carnaval neste mês de fevereiro, e isso provoca uma crise na sua identidade internacional, que perde seu mais forte estereótipo.
Em qualquer outro ano ao longo das últimas décadas, a imprensa estrangeira estaria neste exato momento reforçando esta imagem global do “País do Carnaval” com fotos e vídeos de festas nas ruas, descrições sobre blocos, músicas, fantasias, sensualidade e celebração. O mundo todo assistiria mais uma vez à capacidade do brasileiro de expor sua alegria e fazer o declarado “maior show da Terra”.
No passado, este momento foi visto como comemoração pelo que dava certo no Brasil, ou como catarse para superar problemas e desafios nacionais. Mesmo em 1912, quando o governo tentou cancelar a festa por conta da morte do Barão do Rio Branco, o que se viu foi uma celebração duplicada em fevereiro e em abril. Independentemente do que acontecesse, os sons e as cores do Carnaval estariam lembrando aos brasileiros e a todo o planeta este perfil.
Este 2021 poderia ser o ano do contraste das festas após meses de quarentena e isolamento por conta do novo coronavírus. “É uma pena. O Carnaval seria o antídoto perfeito para as nossas preocupações atuais: cinco noites de dança, música e bebida… Que se dane o distanciamento social”, escreveu de forma irônica uma reportagem do jornal britânico The Guardian sobre o cancelamento. Mas ficou só o vazio de uma comemoração não realizada e de uma identidade nacional calada.
Em seu livro A imagem do Brasil no turismo, Rosana Bignami explica que a ideia de “País do Carnaval” é uma síntese do imaginário sobre o Brasil, uma característica estereotipada de toda a Nação. O grande problema disso é que se associar tanto à festa significa não ser o País de mais nada além da celebração da loucura e da libertação dos sentidos. Criou-se uma imagem de uma população que vive em função disso e que não realiza outras atividades.
Este tipo de retrato poderia ser problemático, uma vez que reforça a percepção de que o Brasil não é muito sério. Mas este perfil também traz claras vantagens ao País, que é visto como sinônimo de alegria pelo resto do mundo. O estereótipo de lugar de festa pode ajudar a atrair turistas e imigrantes, facilitar o fluxo de brasileiros no mundo e contatos internacionais, além de movimentar a economia.
O cancelamento do Carnaval esvazia este perfil nacional. Ele se junta a uma outra imagem tradicional que vem ficando mais fraca nas últimas décadas. Desde os protestos em torno da organização da Copa do Mundo de 2014, passando pelo infame “7 a 1” e pelo longo intervalo sem uma conquista de torneio mundial (e até mesmo pela derrota precoce do Palmeiras no último Mundial de Clubes), o Brasil também parece ser cada vez menos o “País do futebol”.
Sem o lado positivo dessa imagem lúdica marcada pelo futebol e pelo Carnaval, o Brasil fica apenas com os estereótipos mais negativos na percepção externa. Seria ótimo se aproveitasse para reconstruir uma marca mais séria na sua imagem – o que não vai acontecer, entretanto. Sem festa, acabamos marcados apenas pela disfunção política, pela constante crise econômica, pela violência e falta de segurança, e, mais recentemente, pelo negacionismo assumido na conduta do governo em relação à pandemia.
Esta última levou a um atraso no processo de vacinação da população, que começou o ano sem perspectiva clara de quando poderá ser retomada uma vida mais próxima da normalidade. Em meio à tristeza da situação e sem Carnaval para consolar, só resta aos brasileiros torcer para esse processo de superação da pandemia ser acelerado. Só assim poderá retomar sua identidade tradicional no próximo ano, lembrando a si mesmo e ao resto do mundo que é o País da maior festa da Terra.
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