Frustrado por décadas de tentativas fracassadas de reformar o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para se tornar um membro permanente do órgão mais importante para questões de guerra e paz do mundo, o Brasil alcança neste mês mais um prêmio de consolação. Depois de dez anos, o País volta a integrar de forma temporária (e pela 11ª vez) a mesa das nações mais poderosas do planeta.
A volta ao topo da hierarquia global de segurança ocorre em um momento paradoxal, visto que a diplomacia brasileira vem passando por um processo de desconstrução desde a eleição de Jair Bolsonaro. A conquista do assento não permanente neste contexto de encolhimento da presença internacional do Brasil se dá como um reflexo de tudo o que o País fazia de certo em sua diplomacia até a chegada de Bolsonaro ao poder.
Ao longo dos últimos três anos, o Itamaraty se tornou um dos focos da ideologia de extrema direita do presidente. O Brasil mudou sua postura na ONU, abandonou a defesa do multilateralismo e perdeu soft power (habilidade política). O presidente chegou a falar em sair da organização, e o País viu seu prestígio encolher rapidamente, se aproximando do status de pária global.
Por mais que o governo atual tente surfar na onda da volta ao Conselho de Segurança, e o presidente diga que era uma prioridade, o retorno do Brasil à mesa da elite mundial se dá por um trabalho sério iniciado ainda no governo de Dilma Rousseff e continuado por Michel Temer – como explicado em detalhes pelo cientista político Hussein Kalout em seu artigo no jornal O Estado de S.Paulo. Até 2018, a diplomacia era política de Estado, continuada de um governo ao outro, o que deixou de acontecer sob Bolsonaro.
A questão que fica aberta agora é como será o comportamento do Brasil no grupo de países responsáveis pela segurança global. Mesmo sem ter o poder de veto do P5, membros permanentes do Conselho desde sua criação (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China), a presença brasileira deve dar mais voz ao País em um dos principais fóruns de política global. Isso pode jogar holofotes sobre uma política externa que deixou de lado a tradição de valorização de direitos humanos, de luta contra o aquecimento global e de defesa do multilateralismo para assumir um discurso anacrônico de luta contra o comunismo e de forte tendência religiosa.
Segundo o chefe da missão brasileira na ONU, Ronaldo Costa Filho, o País deve usar o assento para debater questões relacionadas à América Latina aos conflitos na África, enquanto reforçará in loco o pleito de reforma do órgão, a fim de conseguir um assento permanente no grupo. São temas que vão chamar menos a atenção dos membros permanentes, mas que, pelo menos, não têm potencial de criar problemas sérios para o Brasil.
A expectativa para a atuação do Conselho de Segurança durante os próximos dois anos é começar sob a escalada de tensão entre Estados Unidos e Rússia, por conta de um possível conflito entre o país liderado por Vladimir Putin e a Ucrânia. Além disso, há a constante preocupação de um aumento de estresse nas relações americanas com a China, indo além do risco de guerra comercial. Para esses assuntos, o Brasil dificilmente terá como oferecer uma grande colaboração, mas poderá tentar retomar e reforçar seu perfil de negociador. Por outro lado, uma oportunidade que se apresenta neste contexto é de o Brasil deixar de lado a reputação de um País que fica sempre em cima do muro. Observadores internacionais, diplomatas, acadêmicos e até mesmo o ex-presidente americano Barack Obama já comentaram e criticaram a tradicional postura brasileira de evitar tomar partido em disputas internacionais e se abster em votações no Conselho de Segurança. A busca pela reconstrução do prestígio brasileiro no mundo e a candidatura a um assento permanente no grupo passa também pela demonstração da capacidade de se posicionar em questões importantes para a segurança global.
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