O governo de Jair Bolsonaro completava apenas dois meses quando, em fevereiro de 2019, o historiador André Pagliarini vaticinou sobre os caminhos tomados pelo Itamaraty sob o novo governo. Em artigo publicado pela revista americana Jacobin, o então recém-nomeado ministro das Relações Exteriores (MRE), Ernesto Araújo, era chamado de “pior diplomata do mundo”. Desde a eleição de 2018, já eram percebidos no exterior indícios de que, com o novo governo, o Brasil daria as costas ao mundo, deixando para trás o soft power acumulado ao longo de décadas – mas aquela era a definição mais crítica até então. Pouco mais de dois anos depois, Araújo deixa, agora, o MRE confirmando a previsão e se consolidando como o pior chanceler da história recente nacional.
Araújo liderou a política externa brasileira por descaminhos que romperam com tradições históricas da diplomacia do País, assumiram uma postura de permanente confronto e levaram o Brasil a ver o seu prestígio encolhido e a sua voz desvalorizada.
Desde 2019, o País pareceu ter deixado de lado os interesses do Estado e passou a defender apenas as ideias que pautam o presidente Bolsonaro. O próprio Araújo chegou a admitir que corríamos risco de nos tornarmos um pária internacional, e dizia que aceitava isso em nome de uma defesa sem sentido da “liberdade”, que só ele via ameaçada. Após dois anos, são evidentes os sinais de desgaste que indicam que o Brasil só perdeu, e muito, na sua relação com o resto do mundo.
Alimentado por uma rejeição a um fantasma que chamou de “globalismo” e por uma ideologia presa a divisões da Guerra Fria, o pior chanceler da história do País comprou disputas desnecessárias com a China, maior parceiro comercial do Brasil. Criou tensão com o embaixador chinês no País e chegou a responsabilizar a China pela pandemia de covid-19, arriscando não só o comércio internacional, mas a própria saúde da Nação, em parte, dependente de vacinas e insumos chineses.
Na política regional, atacou a Argentina pela legalização do aborto, apoiou movimento para derrubar Evo Morales na Bolívia e alimentou uma escalada perigosa na relação com a Venezuela, seu maior vilão na América do Sul, ao reconhecer um opositor como verdadeiro líder do país.
Para defender a pauta conservadora e garantir o direito de o governo Bolsonaro “passar a boiada” nas regulamentações ambientais, colocou sob ameaça o acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
Em nome de um alinhamento automático ao ex-presidente Donald Trump, levou o Brasil a flertar com um movimento de clara tendência golpista nos Estados Unidos. Acusou fraude nas eleições e demorou a reconhecer o resultado dos votos, criando tensão com o governo de Joe Biden, que assumiu em janeiro deste ano. Deixava, assim, o Brasil isolado e sem aliados entre as maiores potências do mundo.
Completa o pacote de ações equivocadas a postura belicosa em relação a qualquer crítica internacional. O Itamaraty sob Araújo reagiu de forma raivosa a reportagens da mídia estrangeira que apontavam problemas no Brasil. Fez o mesmo quando a crítica vinha de líderes e políticos de outros países. Em um dos exemplos mais recentes, ele mentiu em uma resposta à CNN internacional sobre o descontrole da pandemia no Brasil.
O pior ministro das Relações Exteriores sai do governo e deixa o Brasil com um papel muito menor na política internacional do que no passado. Sua saída é um passo fundamental para a reconstrução de uma diplomacia pautada pela política de Estado, e não baseada apenas nos interesses e ideologias do governo da vez.
A exemplo do que se discutiu na mudança no Ministério da Saúde, com a saída do general Eduardo Pazuello, entretanto, é preciso que a mudança no Itamaraty vá além da troca de nomes. Por mais que ele saia como pior chanceler da história recente, Araújo servia aos interesses e ideais do presidente Bolsonaro. Se o novo ministro for seguir a mesma cartilha, pode até brigar pelo título de “pior” com o antecessor. É importante que o desgaste do Itamaraty sirva de lição para que o novo chanceler trabalhe para que o Brasil consiga restabelecer uma relação saudável com o resto do mundo, deixando de lado a diplomacia de confronto, reforçando o diálogo, defendendo os interesses comerciais brasileiros e trabalhando para garantir acesso a vacinas para salvar a vida da população.
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