Artigo

O quase-golpe e os “infiltrados”

Mário Dias
é mestrando do programa de pós-graduação em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), participante do Observa: Observatório de Conflitos na Internet (UFABC) e pesquisador do Grupo de Estudos de Teoria Política Contemporânea (DOXA/UFPI).
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Mário Dias
é mestrando do programa de pós-graduação em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), participante do Observa: Observatório de Conflitos na Internet (UFABC) e pesquisador do Grupo de Estudos de Teoria Política Contemporânea (DOXA/UFPI).

Em 8 de janeiro de 2023, extremistas de direita se reuniram em Brasília com o propósito de golpear a democracia brasileira. As ações das centenas de terroristas se concentraram em invadir o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Por onde passaram, deixaram rastros de destruição, vandalizando de forma sem precedentes o patrimônio público (dos bens arquitetônicos, ao mobiliário histórico, obras de arte e documentos oficiais).

O curioso é que “(…) o resultado dessa ‘melódia’ foi que a tuba tocou” de forma desafinadíssima para os golpistas. Além de muitos terem sido presos, os extremistas fizeram a opinião pública se sentir aterrorizada com o ensaio de implosão da democracia e se posicionar contrária ao experimento golpista. Isto é, o movimento, que começou rapidamente, também caiu na impopularidade com a mesma velocidade, o que ficou perceptível mais distintamente na internet, no esforço de direitistas que militam online em tentar ressignificar o ocorrido.

Foi notório o empenho argumentativo despendido no Twitter pelos extremistas no sentido de convencer que aqueles que protagonizaram o quebra-quebra dos prédios dos Três Poderes do Brasil eram, na verdade, infiltrados de esquerda.

Para observar este fenômeno, realizamos uma coleta de dados da rede social referida, a partir de uma função para web scraping escrita na linguagem Python, que continham o termo “infiltrados” e analisaremos, em primeira mão, os dados obtidos nesta coluna “Ciência Política”, da Revista Problemas Brasileiros.

Em primeiro lugar, chamamos a atenção para o elevado número de tweets que conseguimos obter: foram 141.892 com a palavra. A coleta, realizada no dia 16 de janeiro de 2023, retornou tweets criados entre o dia 1º de janeiro e a data da coleta.

Importante lembrar que, no Twitter, é possível identificar a relevância das palavras a partir da sua frequência de citações, ou seja, da inclusão destas nos trending topics. Assim, no gráfico a seguir, observa-se como o termo “infiltrados” se comportou. Percebe-se também que, logo depois dos ataques de 8 de janeiro, os apoiadores dos movimentos que desafiam a legitimidade das instituições e do sistema eleitoral, ao agir contra os princípios democráticos, começaram a utilizar, nas mídias sociais, uma construção narrativa pautada no argumento que de que os atos de violência e vandalismo haviam sido perpetrados por “infiltrados” da esquerda, com o objetivo de criminalizar o movimento, que afirmam ser pacífico e legítimo. Uma clássica “tirada de corpo fora”.

Veja que, ainda em 8 de janeiro, foram identificados os primeiros tweets sobre a presença de supostos “infiltrados” no movimento, com o pico de postagens ocorrendo no dia seguinte (9 de janeiro), totalizando 49.343 tweets sobre o assunto. É importante destacar que, embora a justificativa da presença de “infiltrados” responsáveis pelos atos tenha sido criada por simpatizantes e membros dos movimentos, no dia 9, vários tweets com a palavra foram escritos por usuários que não concordavam com o ocorrido, ou seja, @s que dispuseram conteúdo negando a existência de infiltrados ou expondo que o discurso especulativo teria sido criado apenas para absolver os verdadeiros culpados pelo evento. Além disso, de acordo com o gráfico, também podemos ver que o tópico “infiltrados” foi altamente relevante na rede entre 8 e 10 de janeiro.

Gráfico 1. Frequência de postagens de tweets com o termo “infiltrados” (1º a 16 de janeiro de 2023).

Fonte: os autores

Como parte das análises realizadas, foi possível ainda identificar os cinco links mais postados nos tweets analisados. Esta investigação é importante porque esses links são usados com o intuito de reforçar o conteúdo do tweet, a fim de dar mais legitimidade à mensagem postada.

Conforme consta na tabela a seguir, as maiores ocorrências de compartilhamento de links se referem a sites de notícias e vídeos do YouTube. Referente aos sites jornalísticos, houve um total de 31 compartilhamentos de uma notícia do Portal Toca News e 18 compartilhamentos do UOL – em ambos os casos, as notícias são verdadeiras e condizentes com os fatos. Referente aos links do YouTube, somente no link https://youtu.be/gSJivbZLmS8 (compartilhado 31 vezes) é possível acessar o conteúdo do vídeo; os demais não estão mais disponíveis na plataforma. Sobre o conteúdo supracitado, pôde-se constatar que está hospedado do canal de direita Verdade Política e faz uma crítica aos poderes da República e às invasões, afirmando que havia infiltrados no ocorrido. Já o link https://youtu.be/4GfMVFhU1Yk, compartilhado 20 vezes, é um vídeo privado do YouTube que somente é possível acesso com convite. Por fim, o link https://youtu.be/TuDggWHV70w, compartilhado 16 vezes, se refere a um vídeo que foi excluído da plataforma no mesmo dia de postagem (9 de janeiro). Entretanto, utilizando o sistema wayback machine (arquivo de toda internet), conseguimos obter um snapshot do vídeo, o qual foi postado pelo canal SCC SBT (pertencente ao SBT) e teve mais de 800 visualizações. O título é “Vídeos indicam infiltrados nas depredações de domingo”.

Tabela 1. Links acessíveis e mais compartilhados a partir da busca do termo “infiltrados” (1º a 16 de janeiro de 2023).

Fonte: os autores

Continuando a investigação, foram identificados os usuários mais ativos da base de dados, ou seja, os que mais promoveram tweets com o termo “infiltrados”. À exceção das contas @a_g_a_66 e @marcosaraujjoo, os perfis pertencem a apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e compartilhavam uma diversidade de outras informações falsas em suas contas.

Tabela 2. Usuários que mais promoveram tweets a partir da busca do termo “infiltrados” (1º a 16 de janeiro de 2023).

Fonte: os autores

Foi interessante perceber que a grande parte dos tweets capturados na busca realizada continham hashtags. Mais interessante ainda foi ver que dentre as cinco hashtags mais utilizadas, a que ficou em primeiro lugar foi “infiltrados”. Depois, observam-se três hashtags críticas à Lula e uma crítica à Rede Globo. Isso indica um claro movimento da militância digital de direita para ligar o Presidente Lula e a Globo, que foi incisivamente discordante dos movimentos, às invasões terroristas.

Tabela 3. Hashtags mais populares em tweets a partir da busca do termo “infiltrados” (1º a 16 de janeiro de 2023).

Fonte: os autores

Também identificamos um grande número de tweets com menções a outros usuários. Os dez mais mencionados, listados a seguir, têm em comum a característica de serem, em maioria (com exceções de @LulaOficial, @alexandre, @AndreJanones e @choquei), base de apoio de Bolsonaro.

 1 @jairbolsonaro: 2.910

 2 @taoquei1: 2.199

 3 @monark: 2.166

 4 @LulaOficial: 2.030

 5 @alexandre: 1.935

 6 @AndreJanonesAdv: 1.745

 7 @choquei: 1.645

 8 @FernandoHoliday: 1.634

 9 @marcosdoval: 1.616

10 @GayerGus: 1.529

Por fim, foi possível distinguir os tweets que tiveram mais engajamento (likes e RTs). Na tabela a seguir, verifica-se que todos, com exceção do postado por @andrejanonesadv, ligam os movimentos terroristas de 8 de janeiro a supostos militantes de esquerda “infiltrados”.

Tabela 4. Tweets com maior engajamento a partir da busca do termo “infiltrados” (1º a 16 de janeiro de 2023).

Fonte: os autores

Enfim, há boas expressões brasileiras para definir o resultado do movimento golpista de 8 de janeiro. Poderíamos dizer que o “tiro saiu pela culatra”, também ficaria bastante assertivo usar “a vaca foi pro brejo”. Os extremistas perceberam isso – e lá foram tentar salvar a honra, ao menos no Twitter, do movimento, mas pouco adiantou. Desde os primeiros minutos, “Inês é morta”.

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