Artigo

O que aprendi com os modernistas

Fernando Meirelles
é fundador da O2 Filmes e arquiteto por formação. Cineasta, dirigiu Cidade de Deus, O jardineiro fiel, Ensaio sobre a cegueira e Dois papas, entre outros filmes.
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Fernando Meirelles
é fundador da O2 Filmes e arquiteto por formação. Cineasta, dirigiu Cidade de Deus, O jardineiro fiel, Ensaio sobre a cegueira e Dois papas, entre outros filmes.

Para o cineasta Fernando Meirelles, a cultura deve ser ruminada e reinventada a partir de influências. Convidado pela PB para escrever sobre o impacto do modernismo em sua obra, Meirelles enviou o seguinte relato.

Alô,

Meti-me numa roubada ao prometer uma linha ou outra sobre o que conheço pouco. Mando o que me vem à cabeça – e se isso prestar, use-o; se não prestar, não o use. Sou analisado, não sou do tipo que se magoa. Mesmo.

O que sei sobre aquela semana não é muito. Sei que tomaram muitas vaias e esculachos, mas, de alguma forma, sobreviveram e viraram uma espécie de marco temporal do modernismo – que já havia começado e se estendeu por muito mais tempo. Por que sobreviveram a tanta “paulada”? Eis a questão.

Daqueles modernistas, quem mais admiro é Mário de Andrade, não só pela poesia, mas por ter viajado para escutar, com atenção, a música popular brasileira e ver as nossas danças. De certa forma, ele nos revelou uma parte da nossa alma. Curioso que o moderno, neste caso, tenha sido mergulhar na tradição; o moderno dele foi o olhar, ou o escutar. Talvez Mário de Andrade tenha alguma relação com Marcel Duchamp: ao trazer músicas consideradas banais, como um urinol, para outro contexto, Mário de Andrade nos fez escutá-las de outra forma.

Dos modernistas, Oswald [de Andrade] foi quem mais me ensinou, pela sua atitude de “chutar o pau da barraca” da tradição e pela ideia de que cultura é para ser ruminada. Sempre que me sentia um plagiador, dizia a mim mesmo que estava apenas adotando a antropofagia. Sempre copiei tudo que está ao redor, mas copio tão mal que raramente alguém percebe. Este truque aprendi com Oswald: mastigar ao menos 20 vezes antes de deglutir. O antropofagismo, que nasceu ali nos anos de 1920, veio ecoar na década de 1960. Se o tropicalismo ousou inserir guitarras no samba e misturar “chiclete com banana”, aquele cara lá tinha algo a ver com isso. Aprendi que cultura é este caldeirão no qual tudo cabe. Aprendi com eles.

Por um tempo, achei bacana a ideia modernista de valorizar o que é brasileiro. Hoje, mais do que nunca, o patriotismo me dá náusea. Entretanto nada como um dia após o outro. A vida é uma calamidade a prestações.

ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO #467 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NA BANCAH.

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