Sim, em fevereiro, temos eleições. Indiretas, mas que impactam fortemente a nossa realidade.
Uma eleição para a Mesa Diretora de um parlamento é algo absolutamente atípico para quem está acostumado com aspectos fundamentais da democracia. Não existem: transparência, campanha limpa, propostas condizentes com a realidade, debate republicano, partidos coesos, controle sobre o voto dos membros com base no posicionamento de lideranças fortes – principalmente na Câmara dos Deputados –, etc.
Uma eleição desta natureza passa por um conjunto de composições quase impossíveis de serem percebidas integralmente. Por isso, no noticiário, assistimos a contas que não fecham. A guerra de nervos e as indefinições não permitem conclusões precipitadas. O jogo é no dia!
Declarar-se vencedor é um convite ao ridículo. Ter apoios que seriam louváveis pode se tornar um abraço de morte. Por exemplo: se o Executivo se torna um cabo eleitoral ostensivo, uma insurreição pode ocorrer. O parlamento é sensível, e fazer este movimento é delicado. Forçar a caneta borra a página. Lembre-se de Severino Cavalcanti (PP/PE), que, em 2005, vindo do subsolo do baixo clero, venceu um deputado federal do PT, no segundo turno, por 300 a 195. Lembre-se de Eduardo Cunha, em 2015, contra o candidato de Dilma. Recorde-se de Aécio Neves, em 2001, na disputa entre o PSDB do presidente e o DEM, então PFL, do vice-presidente da República. As coisas aqui são mais sensíveis do que parecem. Não deixemos de lembrar das manobras regimentais e dos desafios constitucionais que ofereceram novo mandato a Michel Temer, em 1999, no comando da Câmara, pavimentando caminho para Rodrigo Maia repetir a façanha 20 anos depois.
Importante também salientar que as taxas de coesão dos partidos políticos, medida pela adesão de seus membros à posição das lideranças partidárias, não são aferíveis na escolha das mesas diretoras. Isso por uma razão simples: o voto é secreto. Não faço ideia do que motiva a escolha do meu parlamentar, se algo republicano ou se alguma troca estranha. Os legisladores se defendem dizendo que o caráter oculto da escolha lhes preserva a autonomia para o exercício de suas convicções. E haja convicção – que, quando desprovida de controle e ética, tende a um infinito randômico metafórico e tenebroso.
Assim, o que adianta, por exemplo, o grupo de Maia dizer que conta com o apoio do PSL para a escolha de seu sucessor, se dentro do ex-partido do presidente da República está aprisionada, pela fidelidade, parte expressiva de seus cães de guarda? Os mais ardorosos bolsonaristas não vão votar em Arthur Lira (PP/AL)? No próprio DEM, de Maia, devem ocorrer dissidências, e a confirmação de Baleia Rossi (MDB/SP) como postulante do grupo trouxe de volta ao cenário Michel Temer. Qual? O conselheiro de Bolsonaro ou o articulador político de um partido estratégico que se diz independente?
É tudo delicado, e o poder que o cargo concentra é imenso. O mandato do escolhido irá até fevereiro de 2023, e, no ano que vem, ele será testado nas urnas pelo povo. Se reconduzido, tem o direito até mesmo de ser escolhido novamente pelos pares. No Senado, as complexidades não ficam atrás. A Casa é menor, mas a se guiar pela atuação de Alcolumbre ao lado de Bolsonaro e pela eleição conturbada de 2019, tudo pode acontecer. Fiquemos assim com uma fala de 2001 sobre a eleição na Câmara retirada dos arquivos da Folha de S.Paulo: “Perdemos. Tivemos menos votos do que a projeção. Hoje foi o dia nacional das traições”, afirmou o deputado José Carlos Aleluia (PFL/BA).
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