Ao tomar posse em dezembro, o economista Javier Milei, vencedor das eleições para presidente da Argentina, herdará uma das piores crises econômicas das últimas décadas: previsão de recuo do Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente 2,5% em 2023, inflação ultrapassando 100% — o que não acontecia desde 1991 — e pobreza atingindo 40% da população, além de enorme dívida externa e reservas internacionais escassas.
Pelo fato de a Argentina ser o seu terceiro maior parceiro comercial, o Brasil, agora, volta a atenção às medidas radicais anunciadas durante a campanha eleitoral do candidato daquele país: afinal, tudo isso é, de fato, viável? Caso positivo, será realmente implementado? Essas perguntas nos propõem uma análise do cenário político argentino, sobretudo da postura que o novo presidente adotou para ganhar a eleição.
O nosso vizinho — historicamente peronista e kirchnerista — vem sofrendo com dados econômicos desalentadores há tempos. Para Milei ter chance contra o que ele chamava de “establishment”, precisaria marcar uma posição mais radical. Boa parte da população argentina, insatisfeita com o que aconteceu nos últimos anos, via na ruptura a única chance de voltar aos “bons tempos”, o que o empurrava para os extremos.
A fim de obter o apoio da candidata Patricia Bullrich e do ex-presidente Mauricio Macri, Milei apaziguou o discurso durante o segundo turno, principalmente no que diz respeito à extinção do Banco Central e a radicalização das relações com China e Mercosul. Esse é um sinal de que o presidente eleito sabe muito bem a diferença entre governar e fazer campanha, e que medidas extremas relacionadas ao Brasil e ao bloco econômico sul-americano não devem se concretizar — pelo menos a curto prazo.
É fato que o Mercosul precisa ser modernizado urgentemente. O dispositivo que limita a negociação de acordos, em separado, pelos integrantes da organização, por exemplo, impede a abertura de novos mercados e limita inserção maior desses países no comércio internacional. Hoje, a tendência mundial é a celebração de acordos bilaterais, mais fáceis de serem negociados do que em blocos econômicos.
Embora tenha perdido peso ao longo da última década, o Mercosul ainda é muito relevante para os países-membros. Um exemplo disso é o total exportado até outubro de 2023, que chegou a US$ 282 bilhões, cujos principais produtos foram soja, petróleo, minério, milho e carne. Para se ter uma ideia, só a corrente de comércio entre Brasil e Argentina ultrapassa os US$ 25 bilhões. E o mais importante: o bloco está na iminência de fechar um acordo comercial com a União Europeia. Por isso, o momento não poderia ser pior para uma retirada argentina, que a exclui do mais importante acordo de livre-comércio já firmado pela organização. O Acordo Mercosul–UE concentraria 720 milhões de pessoas e cerca de 20% da economia global. Sobre as relações com a China, para onde são destinados 70% das exportações argentinas, o Milei presidente também deve ser mais pragmático do que o Milei candidato.
Assim, dos pontos de vista do comércio internacional — e considerando o alto grau de integração entre as economias brasileira e argentina —, da relevância do Mercosul para os países integrantes e do potencial mercado que se abre com a efetivação do acordo com a Europa, não devemos esperar grandes rupturas. Pelo contrário, o cenário tende a ser mais estável do que se imagina, e a Argentina deve participar dos debates para a modernização do bloco. Sob a ótica das relações com o Brasil, levando em conta as divergências de pensamento entre os dois presidentes, a expectativa é de que haja um distanciamento diplomático. No entanto, o comércio (espera-se) seguirá forte. Mas, para isso, além de construir uma postura como presidente, Milei terá que reconstruir uma economia à beira dos estilhaços.
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