No primeiro semestre de 2020, o volume de empréstimos com pagamentos atrasados há mais de 90 dias (prazo que, tecnicamente, conceitua a inadimplência) pelas famílias brasileiras aumentou em 17,1%, na comparação com o mesmo período de 2019. O montante, que inclui a parcela não paga acrescida dos juros devidos, chegou a R$ 58,3 bilhões – enquanto no ano passado, esse total havia sido de R$ 49,8 bilhões.
Para radiografarmos este aspecto da economia nacional, é preciso considerar o cenário sem precedentes que inclui dados relativos a abril, maio e junho (os piores meses da pandemia de covid-19). A taxa de inadimplência das famílias – que foi de 4,8% no primeiro semestre de 2019 – chegou a 5,3% ao fim do mesmo período de 2020. Esse crescimento de inadimplentes exibe um retrato do impacto causado pela crise sanitária sobre o sistema socioeconômico do País. Para analisar todas estas consequências, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) analisou informações disponibilizadas pelo Banco Central (BC), atualizadas de acordo com o índice oficial de inflação, o Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA), a preços de julho de 2020. A pesquisa procurou quantificar também o volume de recursos destinados, nos primeiros seis meses dos dois anos, para o pagamento dos juros de empréstimos, tanto por pessoas físicas quando por pessoas jurídicas. Dessa maneira, além de detectar o porcentual de devedores, também foi possível entender o comportamento das taxas de juros praticadas.
O volume de juros pagos pelas famílias brasileiras, no primeiro semestre de 2020, chegou a R$ 201,5 bilhões – representando alta de 1,1% em relação ao ano passado, o que levou ao comprometimento de 10,22% da renda das famílias. O agravante é que tal transferência de recursos dos lares para pagamento de juros se deu ao longo de grande turbulência, que impôs fortes novos prejuízos a toda a sociedade – e, consequentemente, desequilíbrio no ritmo das atividades produtivas. Sendo assim, o pagamento de juros representou um dos maiores itens na lista de despesa das famílias, superando gasto total por ano com grupos de itens como educação, serviços de saúde e vestuário.
E, ainda, as concessões de crédito para pessoas físicas recuaram em 5,4% no período, pois o sistema financeiro acabou sendo mais seletivo nos empréstimos, diante da alta no risco. Em outras palavras: menos pessoas conseguiram ter seus financiamentos aprovados, o que também contribuiu para a elevação dos valores em atraso.
Já no caso das pessoas jurídicas, o que se viu foi um aumento de 11% na concessão de financiamentos. O total de empréstimos a empresas, que foi de R$ 812 bilhões no primeiro semestre de 2019, passou de R$ 900 bilhões no mesmo período de 2020. A taxa de juros média para este tipo de financiamento recuou de 9,7% para 8,4% ao ano (a.a.).
Embora muitas empresas – notadamente as pequenas e as médias – enfrentaram (e sigam enfrentando) grandes dificuldades para acessar o crédito, esse aumento nas concessões ocorreu como consequência das garantias do governo oferecidas às instituições financeiras. Assim, foi possível mitigar, ainda que parcialmente, os danos causados pela pandemia, num momento em que muitos estabelecimentos estavam fechados ou sem receita. Neste contexto, a inadimplência das pessoas jurídicas teve queda de 8,7% em comparação ao mesmo período do ano passado.
Em resumo, ainda que o nível de inadimplência se mantenha administrável, os dados não deixam dúvida de que o crédito no Brasil impõe um custo elevado tanto para as famílias como para as empresas. Ao destinar recursos para o pagamento de juros, é retirada da sociedade uma parcela substancial de rendimentos, o que acaba por inibir as capacidades tanto de consumo como de investimento.
A solução para o problema passa por revisão e mais transparência na composição do spread – o grande determinante para o custo final dos empréstimos. Também é necessário que o governo imponha um rígido controle aos próprios gastos, já que os juros, historicamente elevados no País, são consequência direta do descontrole das contas públicas, geradora de déficits anuais expressivos, que inflam uma dívida crescente e gigantesca a ser financiada diariamente pelo mercado. A importância do controle fiscal, a ser feito por meio de reformas estruturantes, é óbvia. Agora, ficou ainda mais urgente. Minimizar ou postergar a questão implicará a permanência de uma sociedade exaurida, que já arca com uma carga tributária de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), uma dívida pública crescente em patamares preocupantes e pagamentos de juros muito além do razoável.
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