A desinformação das notícias sobre a pandemia de covid-19 e o ambiente beligerante da política nacional, que tomou conta de nossas vidas nos últimos anos, mantêm as fake news como assunto relevante para a sociedade atual. A divulgação de notícias fraudulentas, porém, não é um fenômeno novo. O Velho Testamento da Bíblia já menciona o assunto. No capítulo 23, versículo 1, do livro Êxodo, Deus alerta Moisés e o povo hebreu para que “não espalhem uma notícia falsa”.
As fake news, embora traduzidas do inglês literalmente como “notícias falsas”, podem mais bem definidas como “notícias fraudulentas”, já que seu propósito é sempre criar boato, fofoca, mexerico ou intriga para atingir terceiros e desinformar um determinado grupo de uma população.
De qualquer forma, se a notícia fraudulenta se origina na própria imprensa, entramos no terreno da conduta antiética do profissional da mídia, ou seja, um comportamento inadequado praticado por quem tem o dever de divulgar fatos reais. Nesse contexto, defendemos que a garantia constitucional do sigilo da fonte não protege o jornalista que não honra a sua profissão, seja ele graduado em jornalismo ou simplesmente alguém que se autodenomine jornalista. É importante lembrar que de acordo com o Recurso Extraordinário 511.961, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que para exercer essa profissão não é necessário ter diploma universitário.
É certo que o século 21 trouxe uma inédita realidade digital, na qual a comunicação é instantânea e o acesso à informação, ilimitado. Porém, é também a tecnologia que permite que se cometam atos ilícitos (em especial no âmbito da denominada deep web) e cria a gigantesca potencialidade de atingir milhares de pessoas, por meio das redes sociais.
O estudo The Spread of True and False News Online [A disseminação de notícias verdadeiras e falsas online], realizado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT, na sigla em inglês], após a checagem de 126 mil notícias no Twitter entre 2006 e 2017, chegou à conclusão que as notícias falsas têm 70% mais chances de serem repassadas nas redes sociais do que as notícias verdadeiras.
É evidente que qualquer pessoa que divulgue notícias nas redes sociais conta com a proteção da Constituição Federal quanto à liberdade de expressão. Mas tal garantia não é absoluta. Ela é limitada se atingir, por exemplo, de forma desproporcional, a honra de outra pessoa, também protegida pelo texto constitucional. Com isso, temos os crimes de calúnia, injúria e difamação, racismo, entre outros previstos no Código Penal brasileiro.
De qualquer maneira, a repressão ao abuso da manifestação do pensamento (caso se trate de fake news) deve ser posterior à publicação, para que não haja uma conotação de censura prévia, proibida expressamente no texto constitucional.
O jornalista conta com uma proteção especial, o sigilo da fonte jornalística – uma garantia constitucional de que uma notícia pode ser veiculada sem que seja mencionada a fonte do profissional de imprensa. Assim, se um fato chegou até o profissional da imprensa, por meio de uma fonte, e aquele, após checagem prévia, verifica que se trata de notícia verdadeira e de interesse público, espera-se a divulgação da informação. E, por expressa determinação da Constituição Federal, o jornalista não é obrigado a revelar a sua fonte, mesmo que o material entregue em suas mãos seja objeto de crime, como, por exemplo, um hacker que entrega algo ao jornalista que, malgrado tenha sido obtido de forma ilegal, ainda assim revela fatos verdadeiros.
Mas, atenção: essa garantia somente pode ser utilizada excepcionalmente nos casos em que, sem a proteção do sigilo da fonte, a notícia não poderia ser divulgada, por questões de risco de vida, perda de emprego, perseguições, etc. A regra, portanto, é a divulgação dos fatos com menção das fontes; o sigilo da fonte é a exceção.
Se o jornalista utiliza o sigilo da fonte nesses parâmetros, nem mesmo o Poder Judiciário pode quebrar o sigilo telefônico do profissional da imprensa, nem determinar a busca e a apreensão de seus instrumentos de trabalhos, sob pena de violação da lei.
Vale esclarecer que a possibilidade de preservar o sigilo da fonte jornalística não é um privilégio. A Constituição Federal, ao proteger o trabalho do jornalista sério, garante o direito à informação e à preservação da liberdade de imprensa, que funciona como oxigênio para a própria democracia, pois significa a existência de uma população bem informada sobre os assuntos de interesse público.
Por outro lado, a responsabilidade pela veracidade do que for divulgado sob a proteção do sigilo da fonte passa a ser do jornalista e da empresa jornalística para a qual ele trabalha. E há o compromisso do jornalista para com a sua fonte, de não divulgar o seu nome; trata-se, portanto, de questão ética.
Convém ressaltar que a Constituição prevê o uso dessa ferramenta única e exclusivamente para possibilitar a divulgação de notícias verdadeiras e de interesse público. Nesse sentido, a conduta de um jornalista que se submete à criação ou transmissão de notícias fraudulentas, no intuito de desinformar, é algo gravíssimo, tanto do ponto de vista ético-profissional quanto do ponto de vista legal e, obviamente, não pode esse profissional se arvorar na proteção do sigilo da fonte para se safar de suas responsabilidades.
Assim, se vem à tona a informação de que um jornalista transmitiu notícia fraudulenta, no intuito de desinformar a população de forma dolosa, a garantia do sigilo da fonte é inaplicável e tal profissional de imprensa pode até mesmo ser investigado criminalmente. E a razão é simples: nenhuma garantia constitucional deve ser utilizada como escudo para cometimento de atos ilícitos.
A garantia da liberdade de expressão, de liberdade de imprensa e de sigilo da fonte jornalística, consagrados nas nações democráticas, não pode ser confundida com instrumento para desinformação e de cometimento de atos que prejudiquem a coletividade. Viver em democracia não significa ter livre-arbítrio a fim de praticar atos ilícitos e irresponsáveis.
Por fim, acredito que a solução para exterminar de uma vez por todas as fake news não existe, mas o antídoto, de eficácia demorada, é a educação das pessoas para que saibam transitar e entender o mundo digital, com campanhas conjuntas do Poder Público e da sociedade civil organizada. Tal prática já deu certo em outros contextos, como campanhas sobre a obrigatoriedade do cinto de segurança nos carros ou da proibição de fumar em lugares fechados ou públicos. Se algo publicado é fato mentiroso, o seu combate se realiza com a divulgação da realidade dos fatos. E de forma reiterada. Cabe a nós preservarmos a nossa jovem democracia, combatendo condutas nefastas como as fake news, sem partidarismo ideológico e sem censura prévia.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.