O tempo é uma coisa curiosa. Físicos e filósofos ainda não chegaram a um consenso sobre o que ele é: uma sucessão de eventos? Uma sucessão de momentos? Uma relação que envolve espaço e velocidade? Uma invenção humana? Absoluto? Relativo? Linear? Circular? Um eterno presente que sempre nos escapa? A possibilidade presente de um futuro? Enfim, apesar da sua ubiquidade, a questão persiste: o que é o tempo?
Quanta complexidade em algo que faz parte do nosso cotidiano mais trivial! Realmente, nada acontece nas nossas vidas que não seja no tempo, pois tudo o que percebemos do mundo que nos circunda sempre é enquadrado por ele. Que dia é hoje? A que hora é o encontro? Em 2022, haverá eleições presidenciais no Brasil, e o seu resultado determinará o futuro do País nos próximos anos.
Sabemos, contudo, que cada esfera da vida tem o seu próprio tempo; mais apropriadamente, a sua temporalidade: na perspectiva sociológica, corresponde à percepção humana e à organização social da passagem de momentos, eventos e processos. A interrupção deste ciclo temporal degenerativo se tornou um dos grandes problemas da teoria política: afinal, é possível evitar que regimes virtuosos, como a democracia, degenerem?
O problema da estabilidade dos regimes, portanto, não se resume à engenharia institucional, mas também ao manejo temporal. Isso porque, em última instância, a organização da vida coletiva é a construção institucional do tempo político. Embora seja realizada no presente, a política se sustenta em dois pilares: a invenção de um passado e a promessa de um futuro comuns. Conservadores desconfiam da política do tempo presente que promete um futuro de drásticas transformações; reacionários detestam o presente e contemplam um futuro catastrófico caso a política não promova o regresso ao paraíso perdido de um passado mais ou menos distante; e progressistas querem políticas que avancem para o futuro, quando então haverá um paraíso redentor das agruras passadas e presentes. Em suma, a política lida com o tempo (passado, presente e futuro) e tem o seu tempo (duração, velocidade, prioridades etc.). A narrativa política se apodera disso: ora busca resgatar as glórias passadas de supostos períodos grandiosos, ora busca evitar os fantasmas de futuros indesejados por alguns. Há saudade de períodos não vividos e a eterna espera por salvadores que virão, seja Dom Sebastião, seja um messias, seja Godot.
A crise das democracias liberais é, sobretudo, uma crise temporal. Isto é, diante de um futuro que nunca se realiza, os cidadãos se veem aprisionados no presente. Sem referência de futuro, a vida coletiva perde sentido, e o espaço da política democrática, um horizonte de expectativas, fica confinado no “presenteísmo” – there is no alternative. Assim, não deveria nos surpreender que as instituições da democracia liberal estejam sob o signo da desconfiança social, que, por sua vez, encontra alguma vazão no conservadorismo ou no reacionarismo autoritário.
A política é um museu de grandes novidades: muito do novo que se apresenta traz elementos concretos pretéritos e presentes. O futuro pertence ao tempo, que anda de mãos dadas com a política. As areias da ampulheta descem em vários ritmos, e a dança de cada grão é praticamente imprevisível. Entretanto, duas certezas nos restam: o tempo não para – e o tempo da política é agora, na ágora. Não percamos tempo.
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