Os passos iniciais, as variadas formas de comunicação, as reações às novidades do mundo, entre outros momentos e situações vividos por uma criança na primeira infância, evidenciam modos pelos quais os humanos desenvolvem suas características distintivas em relação às outras formas de vida. A graciosidade dos gestos e da sociabilidade estimula o cuidado e a atenção nos diversos contextos nos quais construímos nossa sobrevivência – e nos faz pensar sobre os ambientes necessários para o florescimento humano.
O documentário O começo da vida (2016) trata destes elementos e apresenta reflexões sobre o período, abordando os primeiros mil dias de vida de um recém-nascido, tempo crucial para o desenvolvimento saudável da criança, que impacta decisivamente a infância e a vida adulta. Esse informativo documentário trata também das situações que envolvem a perspectivas dos bebês, a preparação dos pais, os riscos da ausência de ambientes receptivos e a necessidade de espaços que estimulem a criatividade e o desenvolvimento.
Numa das entrevistas do documentário, um dos especialistas aborda uma questão atribuída a Albert Einstein, proposta numa de suas reflexões sobre a natureza da realidade: “O universo é amigável?”. A pergunta é intrigante, ainda mais quando pensamos na perspectiva de uma criança que chega ao mundo onde existimos. Os estímulos diversos que chegam, as dificuldades de estabelecer algum grau de comunicação, a complexa luta pela alimentação, entre outros desafios envolvendo o começo da vida humana, nos estimulam a pensar se a questão de Einstein não cabe para estas vidas que chegam.
Os olhos curiosos, que procuram estabilidades e regularidades num mundo cheio de estranhezas e novidades, são um indício de que essa questão deve rondar a mente dos bebês. No entanto, além dos desafios inerentes condição humana, as grandes desigualdades e a pobreza criam ambientes nos quais o começo da vida é ainda mais difícil, impactando a existência de muitos de nós. A dificuldade em garantir que crianças tenham ambientes adequados para o seu florescimento é um dos principais desafios de nosso tempo, e que demanda ainda preocupações e respostas.
O começo da vida 2 (2020) dá continuidade ao primeiro filme, abordando a necessidade de conexão das crianças com outros humanos e com a natureza, partindo da perspectiva de que esta familiarização e o contato com o mundo e com ambientes são fundamentais para o desenvolvimento humano. Os desafios aqui remetem aos processos de urbanização, muitas vezes pouco estruturados para facilitar as interações e a vida comunitária, além de um modo de vida cada vez mais pautado na individualização das experiências.
No entanto, o desafio é mais intenso para as mães e pais que veem seus filhos crescerem em meio ao distanciamento social motivado pelo covid-19. A vida reclusa e distante, que se esconde de um mundo onde a contaminação é possível e ameaça, e que não atende às demandas naturais de sociabilidade da infância, torna difícil uma resposta positiva sobre o debate colocado por Einstein. Talvez o ponto mais importante deste momento e dos desafios abordados em ambos os títulos é construir a esperança nesses pequenos humanos (e em nós mesmos) de que o universo pode ser amigável e que, em algum grau, somos responsáveis por isso.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.