Visto de algum lugar distante no espaço, o planeta Terra deve parecer insignificante. Nada mais do que um pedaço de matéria à deriva no oceano sem fim do universo. Um silêncio ensurdecedor e uma vaga luz empalidecida pela poeira cósmica devem emoldurar esta longínqua visão. No entanto, aqui embaixo, daríamos de ombros para este hipotético observador – afinal, o que saberia ele de nós, imperceptíveis sob o manto das nuvens?
Alheios a quase tudo o que está acima da camada de ozônio, seguimos com nossos inadiáveis afazeres. Neste pontinho azul que vaga a esmo pela Via Láctea, o corre-corre barulhento do dia a dia, a insanidade das guerras, a crueza da briga pela vida, o desejo de poder, a busca por prestígio, os casamentos, os nascimentos, os bailes, as danças, as músicas, as poesias, as crenças, as dúvidas, as dívidas, a seca, a chuva, os bichos, os vasinhos de planta, as plantas, os almoços, as jantas, os cafés, a cachaça, a chuva, a fumaça, os passeios, as visitas, o TikTok, o Instagram, a tortura, a violência, a fome, a pobreza, a riqueza, o respeito, o preconceito, a injustiça, os sonhos de cada um e muito, muito mais, seguem o seu curso.
Aqui embaixo, nem sequer nos damos conta da desimportância de tudo isso na grande escala das coisas que foram paridas pelo bigue-bangue. Nem poderia ser diferente. Por acaso nossas dores e amores, nossas lutas e nossos lutos, nossos prazeres e desprazeres não são tudo o que temos no pequeno universo deste nosso mundo? Nossas leis, nossas riquezas, nossa saúde, nossa segurança, nossa comida e nossa vida, por acaso, são coisas menores perante os inescrutáveis buracos negros? E nosso planeta, por acaso, não é o que temos de mais precioso? Afinal, dependemos radicalmente dele para viver a inescapável tragédia humana: somos a única espécie que procura algum sentido numa existência irremediavelmente desprovida de sentido.
Então, olhemos para baixo! Em 2022, podemos esperar a continuidade deste som e desta fúria. Os Estados Unidos vão atrás da China, a Otan estará no encalço da Rússia, enquanto Rússia e China vão “fungar no cangote” estadunidense – e, claro, os norte-americanos continuarão em guerra contra alguém. O vírus ainda nos perseguirá, enquanto procuraremos alcançar a próxima dose de vacina, ou um providencial antiviral. A economia tentará vir à tona, mas tenderá a permanecer submersa: desemprego, inflação e baixo crescimento.
A crise da energia deverá se acentuar – na Europa, na Ásia, na América do Norte e aqui, na América do Sul. Poucas atitudes concretas serão adotadas para desacelerar a mudança climática; e virão mais enchentes, secas, queimadas, nevascas, tempestades, calor excessivo. As desigualdades continuarão a se aprofundar. Os ricos se tornarão mais ricos e os pobres ficarão mais pobres. Os governos perderão credibilidade: protestos, protestos, protestos. Crise política: mais crise da democracia, que agoniza e estrebucha há uma boa porção de anos.
No Brasil, o nosso cantinho no planeta, teremos eleições presidenciais. Muita coisa estará em jogo. Aquele observador intergaláctico não faz a menor ideia do arranca-rabo que vai ser. Disputa braba, marrenta, com muito jogo sujo e até dedo no olho. Rasteira, empurrão, supetão, uma infinidade de golpes baixos. Ainda assim, nada poderá embotar o que vos digo: provavelmente, a eleição presidencial de 2022 será a mais relevante da chamada Nova República, uma balzaquiana que, nos últimos anos, vem perambulando combalida pela zona fronteiriça do autoritarismo.
Então, nobre leitor, olhe para baixo! O cometa mais imediato e catastrófico não vem de cima. Ele está aqui entre nós, em plena rota de colisão.
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