Artigo

Origens dos Estudos Brasileiros

Robson Adami Campos
Advogado, professor convidado do Mackenzie e mestre pela Universidade de São Paulo (USP).
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Robson Adami Campos
Advogado, professor convidado do Mackenzie e mestre pela Universidade de São Paulo (USP).

Falemos do objeto compulsório de todo cientista social por estas terras, segundo Eduardo Viveiro de Castro1. Brasil é o objeto-país, e Estudos Brasileiros, a respectiva área de conhecimento para investigá-lo, que difere da História, da Sociologia e da Economia, mesmo contendo todas elas em seu bojo de ferramentas. E por qual motivo? Primeiro, por jungir essas áreas concomitantemente, correlacionando-as com o território em período determinado. O segundo ponto é que a sua premissa fundante e metodológica é a interdisciplinaridade. Em tempos de áreas disciplinares estanques e isoladas, Estudos Brasileiros emerge com singular poderio de diferenciação.

O objeto-país Brasil, nesses termos, implica uma problematização rigorosa que tem, como desdobramento, a constituição da área do pensamento científico, cujo nascedouro propriamente dito se encontra nas obras dos intérpretes do País que fundaram o pensamento social brasileiro2, como forma de se empreender uma compreensão da Nação pouco usual em outros cantos do mundo. Por outro lado, após uma origem difusa e pouco delimitada no que tange ao objeto, confundida com a História, aponta-se a origem dos Estudos Brasileiros como anterior às obras fundadoras que remontam à década de 1930.

A exemplo disso, temos, cerca de duas décadas antes — precisamente, em 1912 —, um celebrado diplomata brasileiro, Oliveira Lima (1867–1928), que, ao ministrar palestras na Universidade Stanford, forjou uma compreensão inicial do que chamamos de Estudos Brasileiros. Argumentou Oliveira Lima, nesse trabalho, sobre o que tornava o Brasil distinto e interessante; como a história, a cultura e a sociedade contemporânea do País exigiam uma compreensão peculiar; e que novos desenvolvimentos do percurso social o moldariam dali em diante3. Oliveira Lima proferiu palestras no outono de 1912. Suas arguições foram publicadas em 1914 sob o título A Evolução do Brasil comparada com aquela da América espanhola e anglo-saxônica4. Em suas reflexões, o diplomata percorre a história, especialmente a luta pela independência na América Latina, a teoria política e a literatura, ou seja, com uma interdisciplinaridade intrínseca.

Já em solo brasileiro, em 1962, por iniciativa de Sérgio Buarque de Holanda foi criado o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), visando ser um órgão integrativo de áreas que pouco interagiam. Mais que uma unidade acadêmica, o que se fundava naquele momento era uma nova área do saber. Justifica-se tal afirmação porque, apesar de o Brasil constituir-se objeto de estudo na diversificada arquitetura disciplinar do sistema universitário nacional, é somente com a criação dessa área que o País será formado como objeto de estudos global, que demanda postura epistemológica própria que o estude em sua complexidade constitutiva. Sendo assim, há elementos para afirmar que Estudos Brasileiros seja uma área do conhecimento que deva necessariamente usufruir da interdisciplinaridade.

Estudos Brasileiros provavelmente permanecerá como um campo amplo e eclético. “Brasil” e “brasileiro” podem se referir a um país, um Estado, um mito fundador nacional, um povo, uma sociedade, um modo de vida, um estado de espírito, um time de futebol e muito mais. Qualquer tentativa de definir rigidamente o campo, provavelmente, seria insatisfatória e deixaria algo essencial de fora; essa é, seguramente, uma das atrações da área. Ora, questionar quando e como se formou um modelo metafísico dos Estudos Brasileiros seria questionar o outro, outro anterior e o que há por vir — e construir, por conseguinte, uma estrutura dialética.

A questão é absolutamente pertinente, sobretudo quando se trata da problemática de um modelo epistêmico exterior ao que se lhe destina e ao que se designa. Diferentes são, dessa forma, os aspectos interno e externo do que se vê como estudos do conhecimento brasilianista para compreender o Brasil.

[1] VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ubu Editora, 2017, pág. 411. [2] Falo da grande tríade da década de 1930, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, sendo este último o responsável por institucionalizar os Estudos Brasileiros no Brasil por meio de um instituto da USP. [3] LIMA, Manoel de Oliveira. The Evolution of Brazil compared with that of Spanish and Anglo-Saxon America. Stanford: University Press, 1914. [4] Apud.

GRUPO ESTUDOS BRASILEIROS

Buscando integrar pessoas de diversos institutos e faculdades da USP, em abril de 2015, foi criado o Grupo Estudos Brasileiros com a finalidade de compartilhar conhecimentos, partindo de um grupo de dicentes do IEB-USP. Com o tempo, angariou centenas de integrantes, sendo eles docentes e discentes de várias partes da USP, assim como de grandes instituições de ensino e pesquisa do País e de universidades estrangeiras. A partir de julho de 2015, a coluna “Estudos Brasileiros” almeja contribuir para os debates dos desafios nacionais.

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