O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada no dia 20 de abril de 2022, condenou o deputado federal Daniel Silveira (Ação Penal 1.044) à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelo cometimento de crimes de ameaça ao Estado democrático de direito (art. 23 inciso IV, combinado com o artigo 18 da Lei 7.170/1983) e coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal). Consequentemente, também se determinou a suspensão dos direitos políticos, a perda do mandato parlamentar e a imposição da pena de 35 dias-multa, no valor de cinco salários mínimos.
No dia seguinte ao julgamento, o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, publicou decreto em que concedeu o benefício de graça (perdão estatal pelos crimes) ao deputado, determinando anulação dos efeitos da condenação, independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Em mais uma postura desafiadora às instituições de controle e ao Estado democrático de direito, acenou às suas bases eleitorais o claro sentimento de impunidade a crimes e a agressões, desde que cometidos em favor dos interesses do seu governo.
O indulto, graça ou perdão constitucional é uma prerrogativa institucional do presidente da República (art. 84 inciso XII da Constituição Federal), concedida a partir de explícitos fundamentos de ordem pública, por razões humanitárias ou por política de desencarceramento relacionada a crimes menos graves (menor potencial ofensivo). Normalmente, a discricionariedade que espelha as razões de conveniência e de oportunidade do presidente da República para fins de concessão de indulto não pode ser revista pelo Poder Judiciário. Este poderá analisar a constitucionalidade da concessão da ‘clementia principis’, e não o seu mérito (conveniência e oportunidade), somente se admitindo o perdão nas hipóteses legais e moralmente admissíveis. Se as referidas finalidades do perdão estatal não estiverem presentes, refletindo tal ato administrativo presidencial particularismos, compadrios e interesses meramente eleitorais, estaria presente um indesejável conjunto de desvios de finalidade do instituto, a demandar a excepcional revisão judicial.
Apesar de o indulto ser ato discricionário e privativo do chefe do Poder Executivo, a quem compete a definição dos critérios e da extensão desse ato de clemência (no espaço compreendido entre a conveniência e a oportunidade), não está imune ao absoluto respeito à Constituição Federal, sendo, excepcionalmente, passível de controle jurisdicional, pois as normas contidas no decreto de indulto estão vinculadas ao ordenamento constitucional. Conforme frisou a ministra Cármen Lúcia, “o indulto não pode ser instrumento de impunidade nem uma mensagem a eventuais detratores da democracia de que podem continuar a praticar crimes, porque o presidente da República poderia editar o perdão”, concluindo que a “discricionariedade foi arrombada por uma arbitrariedade que se demonstra, nesse caso, com finalidades muito espúrias e absolutamente desviantes do que é esse instrumento na Constituição”.
O STF formou maioria, na sessão da última quinta-feira (4 de maio de 2023), para anular o referido decreto, sendo até então seis votos pela nulidade e apenas dois pela validação do indulto (dos ministros André Mendonça e Nunes Marques, indicados por Bolsonaro), ficando certa a restauração da condenação do ex-parlamentar, ora detido por outras condutas praticadas durante seu breve e indevido período de liberdade.
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