Artigo

Pacto por um futuro sem poluição plástica

José Goldemberg
é presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê de Energia da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)
A
José Goldemberg
é presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê de Energia da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

A presença de resíduos plásticos na natureza está crescendo ano após ano e interferindo nos ecossistemas, poluindo oceanos, rios, solos e ar. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 7 bilhões das 9,2 bilhões de toneladas de plástico produzidas de 1950 a 2017 se tornaram resíduos dispostos em aterros sanitários e lixões pelo mundo. Ainda, 11 milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos, anualmente. Isso significa que, a cada minuto, o equivalente a um caminhão de lixo com plástico é jogado na natureza.

O setor de comércio tem relevância e interesse nessa questão, porque é por meio dele que os variados produtos plásticos saem das fábricas em grandes quantidades e chegam às pessoas. Esses produtos, em si, não são poluentes. Contudo, é no pós-consumo que se originam os grandes problemas, como a falta da triagem por parte do consumidor, a coleta inapropriada, a disposição inadequada, as ausências de tecnologia e empresas para reciclagem etc. Mas convém mencionar que muitos produtos plásticos precisam de melhorias na sua concepção, como substituição de materiais, redução de tamanho, alteração de cor para facilitar a reciclagem, entre outros.

O futuro do planeta depende da mudança de cultura sobre o uso de materiais plásticos e a implementação de medidas para uma economia circular eficaz. Isso envolve governos, indústria, comércio, serviços e consumidores.

Não é tarefa simples, pois precisa haver uma mudança profunda na forma como a sociedade global compreende os efeitos danosos do plástico na natureza e, principalmente, acelerar a busca por soluções alternativas à substituição desse material na cadeia produtiva, de forma efetiva, diminuindo a poluição ambiental sem comprometer os negócios.

Um importante capítulo dessa saga vem sendo escrito desde novembro de 2022, durante a Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, em Nairóbi, no Quênia, quando chefes de Estado, ministros do Meio Ambiente e outros representantes dos Estados-membros da organização endossaram o Tratado Global contra a Poluição Plástica.

Os impactos causados por produção, uso, descarte e reciclagem dos resíduos plásticos devem constar no texto em elaboração, além de definições de parâmetros de biodegradação, aditivos e metas globais e planos de ação. Isso significa que o tratado vai lidar com os desafios do plástico e afetará todos os envolvidos no ciclo de vida do produto, incluindo o design, a fabricação, o comércio, o consumo, o descarte, a reciclagem etc.

Aqui, no Brasil, já iniciamos os debates acerca dos princípios que devem nortear o tratado e como cada indivíduo deve se comprometer no processo. No início de agosto, o Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) recebeu Vitor Bahia Diniz, chefe da Divisão de Política Ambiental e Sustentabilidade do Itamaraty, para discutir o andamento do acordo — que possivelmente será como a convenção do clima, isto é, após a adoção por consenso em alguma conferência, cada país apresenta os compromissos e projetos nacionais, ratificando o posicionamento por meio de lei federal própria.

Diálogo com a sociedade

Não existe acordo governamental que se sustente sem a participação ativa da sociedade. Portanto, o diálogo é fundamental para garantir que o tratado reflita as necessidades das pessoas e das empresas. Sob esse aspecto, a FecomercioSP, que tem a expertise no debate de soluções sustentáveis que envolvem o Poder Público, as empresas e a sociedade civil, vem avaliando normas e regulações sobre o uso do plástico no comércio há vários anos.

Uma das ações já em andamento pelo conselho é a orientação acerca da participação do comércio na logística reversa de embalagens pós-consumo. Assim, além de se manter em dia com a legislação vigente, como prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a empresa ainda pode comunicar a medida aos consumidores, mostrando o seu compromisso com a reciclagem. A FecomercioSP participa, inclusive, de Sistemas de Logística Reversa (SLRs) de outros produtos que necessitem de destinação ambientalmente adequada.

Potencial transformador

O Tratado Global da ONU contra a Poluição Plástica pode ajudar a reduzir os impactos da poluição do material no planeta, por meio de metas e padrões internacionais que nortearão a produção e o consumo mundiais.

Confira, a seguir. o potencial transformador que um acordo internacional como esse teria.

Padrões e regulamentos internacionais: um tratado global poderia estabelecer padrões internacionais para uso, produção, distribuição, reciclagem e descarte de plásticos, norteando os países quanto à adoção de medidas consistentes para combater a poluição plástica e evitar práticas prejudiciais ao meio ambiente.

Redução da produção de plásticos: o acordo poderia promover a redução na produção de plásticos descartáveis, incentivando a indústria a desenvolver alternativas mais sustentáveis, como uso de matérias-primas renováveis, reciclabilidade e/ou biodegradabilidade viável técnica e economicamente; e embalagens reutilizáveis.

Coleta e reciclagem: também poderia enfatizar a importância da coleta eficiente e da reciclagem de plásticos, encorajando os países na implementação de sistemas de gestão de resíduos mais eficazes e no investimento em tecnologias de reciclagem avançadas.

Conscientização e educação: o tratado poderia promover programas de conscientização e educação em âmbito global para informar as pessoas sobre os impactos da poluição plástica e incentivar mudanças de comportamento em relação a uso e descarte de plásticos.

Limpeza de resíduos plásticos: ainda tem o potencial de apoiar esforços conjuntos para a limpeza de áreas afetadas por poluição plástica, como praias, rios e oceanos, e estabelecer mecanismos para a cooperação internacional nessas iniciativas.

Incentivos econômicos: um tratado global poderia oferecer incentivos econômicos para países e empresas que adotarem práticas de economia circular sustentáveis relacionadas aos plásticos, como redução do uso, reúso, reciclagem e desenvolvimento de alternativas.

Monitoramento e relatórios: para ter eficiência no combate ao despejo de plástico no meio ambiente, pode se estabelecer um sistema de monitoramento e relatórios para acompanhar o progresso na redução da poluição plástica, permitindo avaliações regulares e ajustes nas estratégias implementadas.

É importante lembrar que a eficácia de um tratado global contra a poluição plástica dependeria da adesão e do comprometimento de governos, indústrias e sociedade civil em todo o mundo. Medidas locais, regionais e globais seriam necessárias para combater eficazmente a poluição plástica e proteger o meio ambiente.

Após as duas primeiras rodadas de negociação do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC) da ONU — em dezembro de 2022, no Uruguai, e junho de 2023, na França —, o secretariado deve apresentar o primeiro texto do acordo seis semanas antes da próxima reunião em novembro, no Quênia. Novas reuniões devem ocorrer em 2024, no Canadá, entre abril e maio, e na Coreia do Sul, entre outubro e novembro. A ideia é termos um tratado assinado ainda no ano que vem ou, mais tardar, em 2025.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.