Qual o sentido da separação de poderes? Enganosa é a impressão de que cada agente político exerça suas atividades sem ser incomodado pelos demais: a existência de funções institucionais primárias ocorre simultaneamente ao exercício de freios e contrapesos. Para cada ação, uma reação: para todo poder, um freio.
A separação dos poderes foi objeto de importantes autores da filosofia política – Platão, Aristóteles, Maquiavel, Locke –, mas foi com os ventos do Iluminismo e pela letra de Barão de Montesquieu que ela encontrou robustez. Em O espírito das leis, Montesquieu entendia que, numa república democrática, o poder deveria ser dividido entre os corpos políticos (Executivo, Legislativo e Judiciário) para que não houvesse risco de despotismo. Indesejável seria que um mesmo corpo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes. Assim, a chave para formar um governo moderado estaria no ato de combinar os poderes, regulá-los, temperá-los e fazê-los agir, dando, assim, condições para que um possa resistir ao outro. No entanto, nosso caro Barão já adiantava que este equilíbrio de poderes não seria fácil. Para ele, o modelo perfeito de freios e contrapesos seria fruto de uma obra-prima de legislação e só poderia ser visto raramente.
Esta engenharia constitucional foi posta em prática unindo a divisão dos poderes em três instâncias institucionais, uma forma de governo presidencialista e, ainda, um arranjo federativo. Para Tocqueville, em A democracia na América, este desenho constitucional foi um dos principais responsáveis pela articulação dos direitos naturais com a soberania popular, porque o sistema de pesos e contrapesos dele derivado evitava a concentração de poder – logo, afastava a tirania da maioria.
Por sua vez, Hamilton, em Os artigos federalistas, considerava a “distribuição regular do poder em departamentos, a introdução dos pesos e contrapesos, a instituição da Corte, a representação popular”, como elementos responsáveis pelo progresso das sociedades modernas, emergindo ali a democracia representativa: uma junção da soberania popular (fonte do poder) com a engenharia constitucional da teoria política liberal (distribuição do poder), garantidora dos direitos individuais.
O debate ganha relevância no cenário brasileiro, no qual assistimos diariamente membros dos três poderes produzirem ataques verbais às atividades dos demais. Conservar a separação de poderes, na dinâmica institucional estabelecida pela Constituição Federal (CF), bem como o respectivo sistema de freios e contrapesos, é essencial à qualidade democrática.
Para além da separação estrita, a interação institucional dos poderes constitucionalmente constituídos é condição presente e necessária para a maturidade democrática do Estado brasileiro, pois, ao mesmo tempo que exercem seus freios recíprocos, também contribuem para o aperfeiçoamento e para a efetividade de suas funções primárias (administrar, legislar e julgar).
Fato é que grande parte da saúde de um Estado democrático está na construção de poderes que se mantêm, concomitantemente, em harmonia e tensão, que podem agir de maneira cooperativa, mas que não se furtam de desconfiar do outro a cada segundo – e que se colocam no espaço em um equilíbrio digno das forças magnéticas dos corpos celestes, em que, se muito perto ou muito longe estarão instáveis, mas na distância correta, encontram a órbita perfeita.
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