Artigo

Partidos tribalistas

Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Em 2002, Carlinhos Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes formavam um trio, os Tribalistas, lançando o primeiro álbum no mesmo ano. A obra foi muito comemorada pela crítica, e a música que mais fez sucesso dizia que o personagem já sabia “namorar, beijar de língua e, até mesmo, aonde ir”. Perfeito. Diante de tamanha autonomia, só precisou dizer: “Não sou de ninguém, eu sou de todo mundo, e todo mundo é meu também”.

Quando explico o comportamento de partidos políticos em coligações, sobretudo nos municípios, onde não existe uma coordenação nacional absolutamente ampla e homogênea, canto essa música para meus alunos e chamo as legendas brasileiras de “Tribalistas”. As exceções a isso são raras, e as risadas em sala, certas.

Pois bem: enquanto Bolsonaro procura um partido para chamar de seu, de porteira fechada ou aberta, muitos fazem suas apostas olhando para Brasília. Para estes analistas, bastaria o presidente prometer cargos, liberar nomeações, distribuir recursos e tudo estaria resolvido. O impasse se daria apenas em torno do fato de obter certo controle sobre diretórios e organismos que não os traíssem internamente em torno de sua candidatura. Já imaginou, por exemplo, se ele tivesse se filiado ao Patriota aos 46 minutos da segunda etapa, e a guerra entre Adilson Barroso e Ovasco Resende viesse à tona, com o mesmo resultado de retrocesso decisório dentro do prazo de impossibilidade de troca de partido para o pleito de 2022? O caso do partido serviu de alerta ao presidente, mas seu comportamento no PSL, em 2018, mostra um agente antenado.

Pois bem: o que impede, então, Bolsonaro de se filiar ao PP, por exemplo? O partido colocou o presidente da legenda na Casa Civil, apoiou Arthur Lira como mandatário-mor dos deputados federais, passou cerca de 20 anos filiado, conhece o modo de operar do presidente, dispõe de apoio forte da organização no Congresso, tem seu líder na Câmara etc. Bolsonaro estaria em casa, e com a conta paga. Será?

O PP é governista, ou seja: se tem gente no poder, o partido vai fazer de tudo para estar junto. Foi assim, principalmente, com Fernando Henrique Cardoso (segundo mandato), Lula, Dilma (primeiro mandato), Temer e Bolsonaro. Nos governos petistas, o atual presidente da República destoava do comportamento dos colegas nas votações nominais, mas, ainda assim, registrava adesão superior a 40% no primeiro mandato daquele que deve ser o seu principal adversário em 2022, superando 55% no segundo mandato de Lula. O partido de Bolsonaro trafegava na casa dos 90 pontos de governismo – e até mesmo o próprio era útil de alguma forma.

O problema não é exatamente esse. Não se trata de explicar por que Jair, por vezes, colaborava. Contudo, que fique evidente: a posição do líder do governo nem sempre é o desejo único do presidente, mas também a força da coalizão, como nos mostra Andréa Freitas em seu livro O presidencialismo de coalizão. Assim, sem entrar no mérito dos posicionamentos do então deputado federal fluminense, algo precisa ser dito: o PP não abraça o atual presidente porque, contrariando uma teoria da psicologia, a soma das partes aqui é maior que o todo – ou, melhor dizendo, se preferirmos apelar para a teoria de Ângelo Panebianco: em realidade federativa, os partidos nacionais tendem a ter comportamentos locais mais fortes e intensos.

Pronto! Se Bolsonaro é comemorado no PP do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, por exemplo, certamente não será tão bem-vindo em Estados do Nordeste, com destaque aqui para unidades como Bahia, onde tem o vice-governador de um mandatário petista, e Piauí, onde o governo também é do PT. Parece simples? Lembremos que entre 2000 e 2012, as alianças entre PT e PP em torno de um mesmo nome para prefeituras espalhadas por todo o Brasil foi a associação que mais cresceu, se considerados os dez maiores partidos e suas parcerias no período, flertando com os 600% e atingindo mais de 1,5 mil cidades. PT e PP são tão marcantes e intensos quanto o PP e o bolsonarismo. E, neste caso, como defendem alguns parlamentares, liberar diretórios estaduais e, quem sabe, ficar de fora do pleito presidencial seria o ideal.

Se, de um lado, o apoio a Lula não será dado, por outro, receber Bolsonaro seria um desafio. O partido, definitivamente, tem vida própria – e deseja assim permanecer, a não ser que o preço a ser pago seja alto, como em 2018. Assim, o problema é acertar o acordo, e não lutar pela causa. Lembremos: o último candidato presidencial do partido foi Espiridião Amin, em 1994. Em 1998, apoiou Fernando Henrique; em 2014, Dilma; e em 2018, Alckmin. Foi mesmo?! Em 2018, metade do PP era PT, e a outra metade, PSL. Não?! Em 2002 e 2006, a verticalização imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lhe deu a justificativa desejada para não entrar no jogo, e em 2010, também ficou de fora no plano nacional.

O que esperar do PP? Literalmente, tudo, mas é muito provável que cada comportamento carregará consigo uma quantidade expressiva de cálculos e razões que não passam apenas por Brasília, sendo necessário lembrar que o partido “já sabe aonde ir, já sabe onde ficar e não dá audiência para a solidão”, diria a canção dos Tribalistas. E justamente porque, neste jogo, “já sabe chutar a bola”, tampouco lhe “falta ganhar” – pois, com este perfil, o partido ganha sempre.

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