ArtigoCiência Política

Pela obrigatoriedade do Censo

Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Em política, podemos discordar – e, tantas vezes, discordamos. E que bom que seja assim, pois só pode haver discordância onde exista liberdade. Podemos discordar sobre o tamanho e as funções específicas do Estado e sobre a extensão do que deve ser regulamentado por ele ou não. Isso faz parte da democracia, e os espaços onde é coerente que tais questões sejam debatidas são as diversas esferas legislativas (Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras distritais e municipais) e o espaço público – exatamente o que fazemos aqui, na Problemas Brasileiros, nas universidades, nas empresas, nos institutos de pesquisas e na imprensa.

Há temas, no entanto, sobre os quais não há discordância e frequentemente se usa de má-fé para fabricar inimigos falsos e gerar conflitos nada saudáveis à democracia. O caso mais evidente é o uso comum que se faz da corrupção como arma argumentativa. Trata-se de um tema que não está sujeito ao debate político, mas à punição nos termos legais: não é típica da direita nem da esquerda, é crime. Assim como também a eficácia, a eficiência e a efetividade das políticas públicas não são assuntos sujeitos a debate – há uma definição técnica do que é bom ou ruim.

A realização do Censo Demográfico 2020 (adiado em razão da pandemia e programado para o ano que vem), por exemplo, não é negociável. O governo chegou a aventar a possibilidade de adiá-lo para 2022 – o que não se concretizou, uma vez que R$ 2 bilhões foram reservados a ele na proposta de Lei Orçamentária Anual de 2021. Se muitas políticas públicas são mal desenhadas e implementadas por má gestão, não há boa gestão sem boa fundamentação. O que diferencia a administração pública da administração privada são os objetivos finais das ações, mas boa gestão é igualmente fundamental nos dois âmbitos. Isto é, podemos discutir se é razoável estabelecer um teto de gastos, mas ninguém discorda que todos ganhamos quando o governo consegue prover melhores resultados com menos recursos. Direita e esquerda querem que o Estado faça o melhor uso possível do dinheiro do contribuinte, ainda que no discurso político chulo ocorra a construção de inimigos inexistentes. Assim, uma vez que a discordância na esfera normativa é encerrada, caberá ao Executivo implementar o que foi decidido no debate do qual participou.

Não resta discordância política sobre a necessidade da definição de critérios técnicos bem fundamentados para a implementação de políticas públicas. Não resta dúvida de que é preciso tomar decisões com base em quadros bem construídos: não há como prever a demanda de vagas numa escola pública sem saber quantas crianças de determinada idade existem numa determinada cidade; não há como prever leitos de maternidade em hospitais públicos sem expectativas baseadas em dados de natalidade; não há como construir uma rede de transporte em grandes metrópoles sem conhecer quantidades e características dos moradores dos bairros.

Não há boa decisão sem boa informação, e a boa informação é proveniente de pesquisas. Não há debate fundamentado sobre boa gestão de políticas públicas sem pesquisas bem desenhadas e aplicadas. Não há como discutir o Brasil que queremos sem saber quem somos. Precisamos parar de enxergar inimigos nos discordantes e olhar para o que podemos fazer para construir o futuro e para que estas discordâncias normativas não interfiram na administração pública e no bem-estar dos cidadãos. O Censo não pode estar sujeito às intempéries sazonais: defender a sua realização é defender melhores políticas públicas; sai muito caro implementar políticas mal embasadas.

Engana-se quem pensa que a corrupção seja o único mal que assola o Estado e a iniciativa privada no Brasil. Problemas de gestão são verdadeiros “ralos” de recursos nas três esferas da Federação, e os resultados na diminuição dos indicadores sociais e na perda de legitimidade democrática, igualmente nefastos. Em suma, em tempos de crise econômica e de diminutos recursos, o País não pode arcar com a ausência do Censo.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.