Enquanto o Ministério das Relações Exteriores trabalha para justificar uma viagem (inexplicável) do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, em meio ao aumento da tensão do país com o Ocidente e do risco de invasão à Ucrânia, a elite da diplomacia brasileira já começa a pensar na reconstrução do Itamaraty após o fim do atual governo.
Para alguns dos diplomatas mais importantes da história recente do Brasil, o Itamaraty chegou, com Bolsonaro, ao seu ponto mais baixo na história. Mesmo após a troca de chanceleres e a saída de Ernesto Araújo (símbolo da mudança de rumo do País em sua relação com o resto do mundo), as relações exteriores continuam seguindo os interesses de Bolsonaro, o que tem impactos negativos para o Brasil. E o País precisa começar a corrigir seus rumos ainda em 2022.
O tom de preocupação e frustração, com uma ponta de esperança para o futuro, esteve evidente em dois importantes momentos no início de fevereiro. Dois encontros de diplomatas e acadêmicos que pensam sobre as relações exteriores do Brasil e veem na saída de Bolsonaro do poder a única chance para o Brasil conseguir voltar a ter alguma relevância no mundo.
Pensadores de relações internacionais de diferentes espectros da política, tanto independentes quanto os que tiveram atuação ativa em governos do PSDB, do PT e mesmo do MDB, de Michel Temer, se juntam para rechaçar a diplomacia bolsonarista e projetar novos rumos para a política externa.
O primeiro foi o debate sobre o lugar do Brasil no mundo, organizado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e mediado pelo diplomata Rubens Barbosa. No encontro, os ex-chanceleres Aloysio Nunes Ferreira e Celso Lafer, assim como o ex-embaixador na Argentina e Embaixador Especial de Assuntos do Mercosul José Botafogo Gonçalves, indicaram a perda de prestígio do Brasil desde 2019. Eles falaram sobre a impossibilidade de o País melhorar seu status antes do fim do governo de Bolsonaro.
“O capital diplomático é um ingrediente da credibilidade internacional do Brasil. E a sua confiabilidade contribuiu para a construção do nosso lugar no mundo. O governo Bolsonaro vem dilapidando o capital diplomático brasileiro e o potencial positivo do nosso lugar no mundo”, avaliou Lafer.
Na mesma semana, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) lançou a primeira edição da sua importante nova revista de estudos sobre RI. O evento foi mediado pelos pesquisadores Hussein Kalout e Feliciano de Sá Guimarães e reuniu, além de Azevedo, o ex-chanceler Celso Amorim, o diplomata Rubens Ricupero e outros nomes da elite da diplomacia brasileira.
Mais uma vez, o tom geral foi de crítica à perda de rumo da política externa sob Bolsonaro. Dessa vez, entretanto, a discussão se deu em torno da expectativa de derrota do presidente nas eleições e de um novo governo a partir de 2023.
O processo de transição se encaixa bem no contexto das comemorações do bicentenário da independência do Brasil. Segundo Ricupero, retirar Bolsonaro do poder vai ser o processo que vai marcar um novo começo das relações do País com o mundo.
“A comemoração como reflexão voltada para o futuro precisa levar em conta que o bicentenário da independência brasileira não vai terminar em 7 de setembro, sua data cronológica. Na verdade, vai ser na eleição. O nosso terceiro século tem que começar com esperança. E todos nós esperamos ter um novo tipo de governo e um novo ciclo”, defendeu o diplomata.
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