Artigo

Pior do que que tá fica

Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
V
Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Virou lugar comum se referir à política como um jogo de xadrez. A metáfora é útil na dimensão dos diversos cálculos possíveis a partir da antecipação do comportamento dos outros atores, mas peca na dimensão institucional. As regras do xadrez são conhecidas, formais e imutáveis. Na política, esse cálculo estratégico precisa levar em conta, inclusive, a possibilidade da mudança das regras durante o jogo. No Brasil, ainda há a vantagem do juízo de valor positivo que o senso comum imprime ao termo “reforma”. Parece que por trás de toda mudança é possível ouvir o tema da primeira campanha eleitoral do deputado Tiririca: “Pior do que tá, não fica”. 

Num movimento que já virou tradição na Nova República, os anos ímpares se caracterizam por debates acerca de Reforma Política no Congresso Nacional. Os temas da moda mudam de acordo com os biênios. Na categoria sistemas eleitorais, uma miríade de supostas panaceias já foram objeto de debates. Houve o tempo em que o sistema alemão, que mistura majoritário e proporcional, seria a perfeita solução para todos os nossos problemas. Depois, o voto distrital puro teria como resultado um relacionamento pessoal entre o eleitor e o político. Mais recentemente, o distritão resolveria diversos problemas inexistentes.

Na categoria formas de governo, na década de 1990, houve a fase do parlamentarismo, apoiado inclusive institucionalmente por partidos políticos. Mais recentemente, houve a tentativa de Arthur Lira de emplacar a agenda semi-presidencialista por meio do famigerado Grupo de Trabalho (GT) composto sem proporcionalidade partidária nem um texto específico a ser analisado. Há, no entanto, uma miríade de pequenas mudanças às quais não se dá o nome de reforma e que impactaram, de forma profunda, a organização do sistema político-eleitoral.

Quanto ao funcionamento do sistema político e da relação entre os poderes, duas instituições em particular sofreram consideráveis mudanças ao longo da Nova República e afetaram significativamente os incentivos dos detentores de cargo público. A primeira delas é a da Medida Proviosória (MP), norma editada pelo presidente da República que, antes, podeia ser reeditada sem que o Legislativo se manifestasse. A partir de 2001, a Emenda Constitucional (EC) 32 torna necessária a manifestação do Congresso e inaugura a figura do sobrestamento da pauta na Câmara e no Senado. A segunda instituição que vem sofrendo mudanças relevantes é o orçamento público. Principal fonte de conflito na relação entre Executivo e Legislativo (e também entre governo e oposição), há que se destacar as restrições quanto à apresentação de emendas individuais e a mudança do sistema autorizativo para o impositivo em 2015. 

As mudanças do sistema eleitoral também foram profundas, ainda que paulatinas. As duas principais ocorreram em 2015 e 2017. Em 2015, o sistema de financiamento sofreu mudanças relevantes ao proibir o financiamento empresarial de campanha, restringindo o financiamento privado às pessoas físicas. Depois, é criada a regra do desempenho individual mínimo para coibir o suposto “efeito Tiririca”.  A regra estabeleceu que seria preciso um desempenho individual mínimo de 20% do quociente eleitoral para evitar os “puxadores de voto”. Curiosamente, a lista que se beneficiou dos votos da coligação de Tiririca não teve nenhum parlamentar eleito com 30% dos votos. Em 2017, as mudanças atingiram as coligações, substituídas pelas federações, e o estabelecimento de uma cláusula de desempenho mínima para que os partidos recebessem o recurso partidário proporcional à bancada na Câmara.

A tradição da discussão das mudanças em anos ímpares não é coincidência: para que as reformas aprovadas entrem em vigor nas eleições de 2024, é preciso que sejam aprovadas até 5 de outubro de 2023. Isto é, o GT da “minirreforma eleitoral” tem pouco mais de um mês para formular um texto, apresentar e com urgência no Plenário. Há, ainda, a PEC 9/23, que pode conceder nova anistia a partidos que desrespeitarem o mínimo de financiamento destinado a candidaturas de mulheres e pessoas negras, bem como a partidos que não fizerem a prestação de contas da forma adequada. Como bem observou Lara Mesquita, em recente artigo para o Legis-Ativo/Estadão, a consequência dessas reformas a toque de caixa são leis aprovadas com redações confusas que, frequentemente, dependem de decisões vindas do Judiciário.

Processos decisórios bem construídos fazem parte da condição necessária para boas leis. Se até o deputado Tiririca concluiu que pior do que está pode ficar, está na hora do Congresso repensar a forma como constrói e reconstrói o Estado e organiza a democracia.  

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