Tenho um amigo europeu residente do Brasil há quatro anos e professor de uma grande universidade nacional. Quando começou a “mergulhar” na sociedade brasileira, também iniciou a fazer perguntas quase antropológicas. Uma tinha a ver com a elite. É que meu amigo não entendia o porquê de parte de nossa elite se recusar a pensar em um projeto nacional para que o País crescesse, se destacasse, incluísse uma perspectiva mínima de melhoria de vida para toda a população, aquele nacionalismo sadio de quem quer que sua nação seja um lugar bom para todas e todos viverem.
Neste começo de 2021, lá vem a pergunta ecoar de novo em minha cabeça ao ver imagens de festas da elite brasileira em praias paradisíacas no litoral, ignorando completamente a pandemia e as recomendações das autoridades de saúde, sem qualquer empatia com o próprio povo, nem o mínimo de sentimento de pertencimento a uma sociedade que tem sofrido tanto – fazendo questão de se alinhar ao que há de pior e mais negacionista na política nacional.
Então me veio uma segunda pergunta: “Será que falta uma pitada de iluminismo à nossa elite?”.
Apesar de não ser exatamente uma escola de pensamento una – pelo contrário, é, de fato, eclética –, algumas características marcaram a produção dos protagonistas do Iluminismo, entre as quais o domínio da razão (luz) frente às trevas do antigo regime e da religião, a noção de liberdade, as valorizações da ciência e do método científico e o entendimento de que as bases do progresso estariam no conhecimento, verdadeira ode ao esclarecimento. As luzes advindas destas ideias foram tão brilhantes que atravessaram o Atlântico e chegaram às Américas, influenciando a organização de movimentos como a Inconfidência Mineira e, nos Estados Unidos, a Revolução Americana.
Hoje, 300 anos depois do Século das Luzes, penso que ainda podemos dividir a elite brasileira em: pré-iluminista (ou até anti-iluminista) e iluminista.
A elite anti-iluminista é retrógrada, cafona, falastrona, anticultural, forjada no autoritarismo da casa-grande e que, mesmo tendo acesso, não se interessa por livros, filmes, arte e música em seu sentido lato. Despreza a ciência e, ao mesmo tempo, o que é erudito e o que é popular; não está nem aí para o País, para o progresso e para o povo. Elite que chora (com razão) ao ver a Catedral de Notre-Dame pegar fogo, mas que não sente nadinha no incêndio do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujo acervo reunia 20 milhões de peças. Aliás, penso que perguntariam: “Que museu é este?”. Elite que tem o privilégio de permanecer em suas confortáveis casas durante a pandemia, mas não o fazem. E ainda debocham, porque, segundo ela, “todo mundo vai morrer um dia mesmo”. Não é à toa que a primeira pessoa morta pelo covid-19 foi a empregada doméstica que trabalhava no sofisticado bairro carioca do Leblon, ao pegar o vírus da patroa. Uma elite para a qual tanto faz democracia ou ditadura, mas que sempre escolhe o que há de mais retrógrado.
Por outro lado, podemos ver traços de uma elite iluminista no Brasil. Aliás, se é para ter elite econômica, que pelo menos seja iluminista. Algo que nos relembra o fenômeno do despotismo esclarecido que marcou os reinados de Catarina II (Rússia) e Frederico II (Prússia). Gente que encampa projetos como o Museu Inhotim, em Minas Gerais, um dos maiores acervos de arte contemporânea do mundo, e o Instituto Ricardo Brennand, em Pernambuco; ou faça como os endinheirados que se juntaram para levar cilindros de oxigênio para Manaus. Uma elite que entende que os próprios privilégios foram forjados historicamente do sofrimento de tantos outros e que, por isso, tem o dever de contribuir para a sociedade que a circunda. Uma elite progressista.
De acordo com o professor Leonardo Avritzer, não existem boas teorias acerca da formação da elite brasileira, no entanto, ao fazer uma leitura crítica do sociólogo Jessé Souza e de seu argumento de que haveria um ódio generalizado da elite às classes populares, salienta que as camadas mais privilegiadas têm um posicionamento político que se move conjunturalmente, fenômeno que ele chama de “pêndulo da democracia”.
Assim sendo, desejo que a elite nacional se repense e penda cada vez mais para o esclarecimento e, “suassunamente”, se torne cada vez mais armorial.
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