O anseio pela representação política surge como a resposta dos Estados modernos aos anseios por participação nas decisões políticas, especialmente na gestão dos recursos provenientes dos impostos. A máxima “No taxation without representation” (“Nenhuma tributação sem representação”) foi adotada pelos membros das 13 colônias britânicas na América do Norte cansados de pagarem tributos e receberem notícias de novas leis advindas do distante parlamento britânico. O argumento serviria para justificar o movimento que culminou na Revolução Americana de 1776 e na proclamação da primeira constituição escrita da era moderna.
O direito ao voto surge em consequência de um movimento em prol da liberdade dos indivíduos em relação ao Estado – ideia que surge dos contratualistas, que discutiram as origens e os limites deste tipo de organização política. Estes autores seguem a trilha da corrente que ficou conhecida como liberalismo. Nesse momento, o voto é entendido como um privilégio, uma prerrogativa daqueles que gozam de propriedade de terras. Portanto, é desvinculado de uma noção igualitária que será característica da associação da representação à democracia.
Só muito tempo depois que a representação seria associada à democracia, passando a englobar o elemento da igualdade, isto é, todos são iguais perante a lei e o Estado, portanto, têm igual direito à expressão de sua vontade por meio do voto. A partir do momento que a representação política deixa de ser aristocrática para ser democrática – fincada na cidadania –, o voto deixa de ser um privilégio e se torna um direito. Entretanto, será que a inclusão da dimensão democrática suprimiu o direito à liberdade de escolha? E, assim, feriu a base liberal do direito ao voto quando abriu espaço para o Estado impor ao indivíduo o voto sem considerar sua vontade?
Neste contexto, há um detalhe conceitual importante: quando falamos de voto obrigatório, não estamos dizendo nada a respeito do voto em si que cada cidadão escolhe quando está diante da urna. O que é obrigatório é o comparecimento. A escolha individual de optar por um candidato, um partido, anular ou votar em branco, cabe a cada um. Há inclusive momentos memoráveis do exercício desta liberdade que resultaram nas boas votações do rinoceronte Cacareco em São Paulo, em 1959, e do macaco Tião no Rio de Janeiro, em 1988.
Feita esta distinção, a questão é: quais seriam as vantagens de um grande comparecimento eleitoral? Em primeiro lugar, o resultado do pleito gozará de mais legitimidade em consequência de um maior número de pessoas ter participado. Além disso, a garantia de um grande número de eleitores comparecendo às urnas faz com que as campanhas passem a atender a interesses mais amplos do que apenas àqueles de seus eleitores mais engajados – que não necessariamente geram uma plataforma política representativa da maioria.
Em outras palavras, políticos brigam pelo voto, não pelo comparecimento dos eleitores. Neste sentido, a obrigatoriedade de comparecimento induz a uma expectativa de melhoria na qualidade democrática. Tal medida tampouco é particularidade brasileira: países como Austrália, Bélgica, Luxemburgo e Uruguai também utilizam políticas similares.
Seria a obrigatoriedade nos termos do Brasil, com uma multa tão baixa, suficiente para induzir o comparecimento às urnas? A evidência de que a legislação de voto obrigatório impacta diretamente o comparecimento dos eleitores é unânime – como o aponta o aumento de 11,7% para eleitores jovens, segundo estudo de Gabriel Cepaluni e Daniel Hidalgo, publicado na revista Political Analisys, em 2017. Mais importante que isso, há um efeito educativo na obrigatoriedade do voto: ser obrigado a votar na eleição atual não somente aumenta o comparecimento nessa eleição, mas também causa um aumento na eleição futura nos casos em que os indivíduos já não estejam mais sujeitos à obrigatoriedade.
O questionamento que se coloca a seguir é: uma vez que o comparecimento às urnas é obrigatório, isso não geraria um incentivo para indivíduos mais desinformados votarem, resultando em resultados eleitorais piores? Para que esta crítica seja válida, é necessário que, por serem induzidos a comparecer, os indivíduos não mudem o seu interesse em política ou demanda por informação, o que não se verifica no mundo real. Não se pode ignorar o aspecto transformador de envolver grande parte da população em um assunto e ampliar a cobertura dele. Em artigo publicado no ano passado no Journal of Development Economics, Raphael Bruce e Rafael Costa Lima mostram que a obrigatoriedade do voto induz a maior consumo de informação na forma de noticiários. Adolescentes que recém-completaram 18 anos, e passaram a ser obrigados a votar, assistem mais a telejornais do que jovens com um mês de diferença de idade, mas que, justamente por essa diferença, não estão obrigados.
Este efeito das pessoas se informarem mais quando são induzidas a votar é condizente com dados similares para províncias na Suíça e políticas de incentivo ao voto na Califórnia, segundo estudo da pesquisadora Victoria Shineman para o British Journal of Political Science.
Se é bom para a legitimidade democrática que o comparecimento eleitoral seja alto – e se o efeito da obrigatoriedade é mais envolvimento dos eleitores no debate público –, não seria o deslocamento até uma seção eleitoral, a cada dois anos, um preço baixo a se pagar? Se o tamanho e as prerrogativas estatais devem ser discutidas democraticamente, mesmo os adeptos do Estado mínimo não podem negar que os indivíduos terão de arcar com algumas obrigações em relação a esse Estado. No caso do voto obrigatório, o custo é uma pechincha.
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