Já mencionei nesta coluna que a disputa presidencial tem uma estrutura de competição bastante consolidada, cujo formato é bipolar. Mais precisamente, um conjunto de forças partidárias de centro-direita costuma disputar o cargo com outro de centro-esquerda. Também apontei que o PSDB e o PT foram as siglas que, de 1994 até 2018, lideraram estes blocos. Este dado, aparentemente banal, permite algumas conclusões acerca do cenário eleitoral de 2022.
Em primeiro lugar, a disputa de 2018 não interrompeu o padrão de competição bipolar. Assim como antes, os dois principais concorrentes, Jair Bolsonaro (sem partido) e Fernando Haddad (PT), concentraram a imensa maioria dos votos no primeiro turno, somando 75,41%. Nos pleitos anteriores, a votação conjunta foi 75,14% (2014), 79,52% (2010) 90,25% (2006), 69,63% (2002), 74,77% (1998), 81,31% (1994) e 47,64% (1989). Somente na primeira eleição da série histórica, os dois candidatos mais competitivos totalizaram menos de 50% das preferências eleitorais – e, ainda, com a diferença de apenas 0,67% entre o segundo e o terceiro mais votados, Lula e Brizola.
Em segundo lugar, nos meandros desta persistente estrutura bipolar, ocorreram duas alterações relevantes: (a) polarização entre centro-esquerda e centro-direita, até então moderada, radicalizou-se à direita, que, com um discurso extremista contra a esquerda, foi capaz de atrair os eleitores do centro e da centro-direita; deste modo, (b) a liderança populista de Bolsonaro desalojou o PSDB da posição histórica de coadjuvante da bipolaridade com o PT.
Em terceiro lugar, apesar de todos os percalços, inclusive de não ter podido contar com a candidatura de Lula, o PT seguiu como um dos protagonistas. Isso porque os partidos que poderiam desbancá-lo como líder deste bloco estão mais à esquerda, ou seja, os seus discursos não atraem os eleitores de centro-esquerda e, menos ainda, os de centro. Por outro lado, nenhum partido da centro-esquerda – nomeadamente o PDT e o PSB – formou lideranças capazes de suplantar a personalidade carismática de Lula.
Em quarto lugar, esta situação indica que existe uma base de votos de esquerda e de centro-esquerda que, até aqui, se mantém inamovível quanto ao seu apoio ao PT, assegurando-lhe a condição de competitividade nas eleições presidenciais, principalmente no primeiro turno. De fato, a história eleitoral do partido confirma a conquista desse nicho: 17,18% (1989), 27,07% (1994), 31,71% (1998), 46,44% (2002), 48,61% (2006), 46,91% (2010), 41,59% (2014) e 29,28% (2018). Inclusive, ao retroceder, em 2018, à proporção de votos de 1994, o PT confirmou o apoio fiel de cerca de um terço do eleitorado.
Em quinto lugar, como não há sinais de que a estrutura de competição deixará de ser bipolar em 2022, é certo que o embate será travado (a) ou entre as forças partidárias de centro-direita e as de centro-esquerda ou, então, (b) entre a centro-esquerda e a mesma direita radicalizada que emergiu em 2018. Logo, de uma forma ou de outra, (c) a centro-esquerda será um dos polos da próxima eleição presidencial.
Em sexto lugar, como também não há sinais de que algum partido substituirá o PT na liderança da centro-esquerda, podemos concluir que Lula, ou qualquer outro candidato petista, será um dos dois concorrentes mais votados no primeiro turno. Ainda, se o quadro indicado pelas pesquisas atuais for confirmado, supondo que o adversário petista seja Bolsonaro, Lula poderá vencer no primeiro turno.
Em sétimo lugar, embora ainda seja incerto qual candidato antagonizará com o PT, algumas possibilidades lógicas podem ser cogitadas. Se Bolsonaro concorrer, a competição contra o PT e a centro-esquerda terá o rescaldo da bipolaridade radicalizada à direita; desta vez, porém, num contexto em que o bolsonarismo estará enfraquecido. Se Bolsonaro não se candidatar, a eleição tenderá à moderação no que se refere à defesa das instituições democráticas, mas a tradicional polarização entre a centro-direita e a centro-esquerda será agressiva, porque o oponente do PT tenderá a se apropriar do antipetismo e atacará Lula pesadamente – Ciro manda lembranças.
Aqui cabe um adendo. Bolsonaro não entrará no páreo em três situações hipotéticas. Ele poderia simplesmente não se candidatar (a), alegando que se recusa a participar de uma eleição que será fraudada, ou (b) em razão da debilitação, verdadeira ou não, da sua saúde. Ainda, ele poderia renunciar mediante a justificativa de que o seu governo é vítima de “forças ocultas” e sair do páreo. Por fim, ele poderia ser deposto por um processo de impeachment. Com chances eleitorais reduzidas, talvez o deep state deste governo já avalie as condições para a implementação de alguma das duas primeiras alternativas – o impeachment, como sabemos, além dos custos políticos elevados, poderia fortalecer o PT.
Em oitavo lugar, dada esta estrutura de competição, não há espaço para o que vem sendo chamado de “terceira via”. É inegável que as eleições presidenciais sempre contaram com uma terceira força partidária relativamente competitiva – Brizola quase foi ao segundo turno, em 1989, com 16,51%; Anthony Garotinho obteve 17,86%, em 2002 (Ciro ficou em quarto, com 11,97%); Heloísa Helena, em 2006, totalizou 6,85%; em 2010, Marina ficou com 19,33%; em 2014, a mesma Marina, com 21,32%; e, em 2018, Ciro Gomes, com 12,41%. No entanto, esta terceira força nunca interrompeu a bipolarização. Tratou-se, sempre, de se buscar a substituição de um dos polos partidários já estabelecidos.
Em nono lugar, sendo inviável essa terceira alternativa – uma vez que a disputa entre Bolsonaro e Lula concentraria os votos do primeiro turno, e que o PT seria o concorrente competitivo da centro-esquerda –, a única chance da centro-direita alcançar o segundo turno contra Lula depende da ausência de Bolsonaro no pleito do ano que vem – isso remete às três hipóteses acima. Claro, uma alternativa não pode ser descartada: o semipresidencialismo de ocasião.
Em décimo lugar, mesmo sem Bolsonaro, a terceira alternativa – que, em realidade, seria o retorno da centro-direita à condição de competitividade – carece de nomes com projeção nacional. Depois de algumas tentativas frustradas, o “teste” mais recente é Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Ciro Gomes gera resistências, mas é uma possibilidade – o seu sonho nada secreto é um duelo vitorioso com Lula. O seu desafio, porém, é ultrapassar a sua marca histórica de 12% de votos no primeiro turno.
Então, tudo se resume a isto: quem disputará 2022 com Lula?
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